quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Um hemisfério numa cabeleira

Deixa-me respirar longamente, longamente, o aroma dos teus
cabelos, neles mergulhar todo o meu rosto, como um homem se-
dento na água de uma nascente, e agitá-los na minha mão como
um lenço aromático, para sacudir recordações no ar.
Se pudesses saber tudo aquilo que eu vejo! tudo aquilo que eu
sinto!tudo aquilo que ouço nos teus cabelos! A minha alma viaja por
sobre o perfume como a alma dos outros homens sobre a música.
Os teus cabelos levam um sonho inteiro, cheio de velames e de
mastreações; levam grandes mares de monções que me transportam
para encantadores climas,onde o espaço é mais azul e mais profundo,
de atmosfera perfumada pelos frutos, pelas folhas da pele humana.
No oceano da tua cabeleira, avisto um porto irrompendo em
cantos melancólicos, homens vigorosos de todas as nações e navios
de todos os formatos recortando arquitecturas finas e complicadas
num céu imenso em que preguiça o eterno calor.
Nas carícias da tua cabeleira, reencontro as demoras das longas
horas passadas num divã. no quarto de um belo navio, embaladas
pelo rolar imperceptível do porto, entre os vasos de flores e os cân-
taros refrescantes.
No lar ardente da tua cabeleira, respiro o aroma do tabaco
mesclado em ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplan-
descer o infinito do horizonte tropical; nas margens sedosas da tua
cabeleira embriago-me com os aromas misturados do almíscar, do
alcatrão e do óleo de coco.
Deixa-me morder demoradamente as tuas tranças pesadas e ne-
gras. Quando mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, julgo estar
a mastigar recordações.

Charles Baudelaire(1821-1867) in Rosa Do Mundo 2001 poemas para o futuro
2. ed. Assírio & Alvim, 2001)

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