terça-feira, 6 de abril de 2010

Presença solar e sólida fugidia...

...Recolho-me para escutar....o silêncio resolver-se-á na
conjugação de palavras sólidas e brancas...palavras que
substituirão o sentido pela arcaica ressonância de uma
disseminação...as palavras serão a realização aberta à
qualificação mais livre e nula

...É um novo silêncio e um novo sol
sobre a mesa de pedra
o meu desejo à claridade da folha
lança-se
sobre um campo verde
ao abandono vejo


a força material dos membros e o tronco de mulher
as pernas fortes laceradas pelos espinhos
pernas solares sólidas para os caminhos solitários e
íngremes
ignoro se invento esta presença
com as palavras ou se algo se abriu
no interior de um olhar
ignoro se estas palavras vêem da visão
de uma figura entrevista entre as árvores...

uma energia intensa...é quase um grito
que cega e liberta
e se suspende ao abandono na página
e então será o arranque ou a explosão
a planície líquida onde a figura emerge...
a solidez compacta dos seios
o triângulo negro do púbis
o triunfo branco das pernas sólidas redondas


Vejo-te transcrita palpitante seda
forma alta e pura branca e livre
nascida do desejo e da linguagem sólida
quem te chamaria o sol entre as árvores vibrantes
se mais que o sol deslumbra e és solar
solar e nítida nos caminhos ásperos
viajante das manhãs de um sossego de fábula
terra terra verde e doirada ó fulva deusa
que corres como um arco sobre as hastes
tuas pernas brancas revelam-se sobre as vestes
branquejam sobre a página incendeiam-se
sólidas solares cálidas fogosas
como te materializas se te apagas branca
e mais não és que um sopro dissipado
estas palavras no entanto te levantam
ó amor de um corpo que a linguagem liga
ambígua intermitente e luminosa embora
como transmitir tua geometria das formas
se te fragmento e dilacero te perco...

A presença viva apaga-se entre as pedras no papel...apaga-
-se mas não se anula...fica o seu rastro alucinante...uma visão
vaga mas ardente...o desejo de retornar ao canto...ouvi-la
cantar no próprio movimento das formas ó perfume da
solidez divina terrena brancura invulnerável....



António Ramos Rosa in Gravitações. Colecção de Viva Voz. Litexa, 1983, pp.33/4

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