segunda-feira, 12 de julho de 2010

«(...) Poe consagrará, não obstante, a imaginação como única indutora do entusiasmo da alma, via para atingir aquilo que designou como «Beleza superna», distinguindo-se do entusiasmo do coração, induzido pelas paixões terrenas e sensuais, já que « o Céu não traz consolação/ Àqueles que ouvem só o eco ao coração» («Al Aaraaf»). Como se sugeriu, o coração percebe já uma realidade adulterada. Mas parece ser, por uma qualquer fatal necessidade, um órgão sobredesenvolvido no poeta ao ponto de ameaçar a sua perdição. Sem a hipersensibilidade emocional, porém, talvez ao poeta não fosse dada a urgência de se salvar pelo esforço de alcançar a beleza «do que outros mundos conterão» (cf. poema «Estrofes»). Daí o coração-lira, tenso e vibrátil, percorrendo a obra de Poe, presente até nas «fibras de alaúde» de um anjo habitado lá no «alto firmamento» («Israfel»), e culminado na visão cosmogónica de universos ciclicamente dilatados e contraídos « a cada pulsação do coração divino» em Eureka, o «poema-ensaio» que o autor escreveria no fim da vida (1848).
Introdução da Tradutora Margarida Vale de Gato


Edgar Allan Poe. Obra Poética Completa. Trad. Introdução e notas de Margarida Vale de Gato. Ilustrações de Filipe Abranches. Tinta da China, Lisboa, 1ª ed. 2009., p. 15/6

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