sábado, 6 de novembro de 2010

«(...)
 - Você é um romântico - sentenciou. - A estima da posteridade não vale muito mais que o contemporâneo, que não vale nada e que se consegue com algumas moedas.
-Conheço a sua maneira de pensar - respondeu Quiroga. - Em 1852, o destino, que é generoso e que queria sondá-lo até ao fundo, ofereceu-lhe uma morte de homem, uma batalha. Você mostrou-se indigno desse dom porque a peleja e o sangue lhe causaram medo.
-Medo? - repetiu Rosas. - A mim, que domei potros no sul e depois todo um país?
Pela primeira vez, Quiroga sorriu.
- Sei bem, - disse com lentidão - que você executou mais de uma proeza equestre, segundo o testemunho imparcial dos seus capatazes e peões; mas naqueles dias, na América, e também a cavalo, executaram-se outras proezas que se chamam Chacabuco e Junín e Palma Redonda e Caseros.
Rosas ouviu-o sem se alterar e replicou assim:
-Eu não precisei de ser valente. Uma proeza minha, como você diz, foi conseguir que homens mais valentes que eu lutassem e morressem por mim. Santos Pérez, por exemplo, que acabou consigo. A coragem é uma questão de resistência; uns são mais resistentes, outros menos, mas tarde ou cedo todos afrouxam.
-Talvez seja assim - disse Quiroga, - mas eu vivi e morri, e até ao dia de hoje não soube o que é o medo. E agora vou para que me apaguem e dêem outra cara e outro destino, porque a história farta-se dos violentos. Não sei quem será o outro, o que farão de mim, mas sei que não terei medo.
- A mim basta-me ser quem sou - disse Rosas - e não quero ser outro.
- Também as pedras querem ser pedras para sempre - disse Quiroga - e são-no durante séculos, até que se desfazem em pó. Eu pensava como você quando entrei na morte, mas aqui aprendi muitas coisas. Repare bem, já estamos ambos a mudar.
Mas Rosas não fez caso dele e disse, como se pensasse em voz alta:
- Pode ser que não esteja habituado a estar morto, mas estes lugares e esta discussão parecem-me um sonho, e não um sonho sonhado por mim, mas por outro, que ainda está por nascer.
Não falaram mais, porque nesse momento Alguém os chamou.»



Jorge Luís Borges. O fazedor. Trad. de Miguel Tamen. Difel, Lisboa., p.30/31

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