domingo, 1 de maio de 2011

TARDE DE OVELHAS

A mancha de sangue depõe-se no horizonte de aqui,
A gota de leite desponta no horizonte de lá.
Homem simples que se dissipa na flauta e cuja pru-
       [dência tem a forma de um cão negro, o pastor
                             [desce a adolescência da encosta.
Seguem-no as suas ovelhas, com dois pâmparos por
        [orelhas e dois cachos por tetas, seguem-no as
                            [suas ovelhas: vinhas ambulantes.
Tão puro o rebanho, que esta tarde estival parece                
                             [nadar na planura infantilmente.
Estes miúdos escrínios de vida roeram, lá no alto.
                             [os perfumadores e descem cheios.
Os meus Desejos também, estimulados pela flauta
 [da Esperança e o cão da Fé, subiam esta manhã
 [a encosta do Mistério, e foram-se mais alto que
                                            [as ovelhas da minha alma.
Mas, na pradaria de jacintos, a cheirosa estrela incen-
       [diou os dentes ávidos que queriam desapertar-lhe
                                                                     [o corpete fértil.
É por isso que o meu rebalho subtil, à hora das ave-
 [-marias, se adentra em mim, flancos desesperados.
As ovelhas estão no redil, e o homem simples vai
[dormir entre a sua flauta e o cão negro.




Saint-Pol Roux. Poesia do século XX. Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, p.147

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