domingo, 24 de julho de 2011

TIVE EM  miúdo uma doença
E fome e medo. Grossas escamas soltando-se
Dos lábios, que eu humedecia. Nunca esqueci
Esse sabor, salgado e frio.
Mas não parava de andar, andar, andar.
Sentava-me nos degraus do alpendre ao sol,
Caminhava no meu modo leve como se dançasse
A melodia do caçador de ratos, no rio. Sentava-me
Ao sol nos degraus, a tiritar.
E a mãe vinha ali, acenando, parecia
Tão perto, e eu sem poder tocar-lhe:
Movo-me para ela, que sete degraus acima
Acena; movo-me para ela, que acena
Sete degraus acima.


                                  Sentia-me quente,
Desapertei o colarinho e adormeci,
As trombetas soaram, cavalos a galope, a luz
Batia suave minhas pálpebras, a mãe,
Que voava sobre o caminho, acenando,
Partiu...


Arseny Tarkovsky. « 8 Ícones». Versão de Paulo da Costa Domingos. Assírio & Alvim, Lisboa, 1987., p.11/2

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