domingo, 27 de novembro de 2011

O AMOR EM VISITA


Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpi-
                tantes,
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensa-
               mento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

(...)


Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 29

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