domingo, 2 de fevereiro de 2014

LIMOS DO DESPREZO


Se pudesse olhar-me na sede dos teus olhos
em nenhum território perderia os meus vestígios.
Os segredos mais ácidos secariam
as suas ocultas raízes destruidoras,
as sílabas clementes do perdão
voltariam a ouvir-me comovidas
sob as grandes asas de uma luz aprazível.
Mas a cabeça assegura o seu erro no delírio.
Sente elevar-se a sombra que o desprezo derrama,
onde só ressurge a impiedade
de uma tribo de espectros dilacerantes.
Ainda continuo contigo, meu desolado corpo,
incapaz de morrer, vislumbrando os dois
terríveis abandonos: a morte sem repouso
e a vida que morre sem viver nem se extinguir.


Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 60
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