sexta-feira, 9 de março de 2018

O SALMO DO MEU DEUS

Sobre as pontes verdes que há no céu dos céus
sobre o aço vivo que amargura inclina
sobre os aterrados rebanhos de leões
sobre as catedrais solenes do deserto

Vem um doce rebanho de cordeiros azuis.

Sobre os templos vermelhos ébrios de laranjas
sobre os píncaros duros de lábios e de espigas
sobre os aquedutos adormecidos no ar
sobre as repentinas orquestras do martírio

Vem um doce rebanho de cordeiros azuis.

Sobre as frontes rasgadas, sobre as mãos destroçadas
sobre as noites profundas que uivam como hienas
sobre os peitos ressequidos, os olhos sem pupilas
sobre os vales pardacentos sem sinos e sem torres

Vem um doce rebanho de cordeiros azuis.

Sobre o amor desfeito, suas frontes demolidas
são pedras inflamadas, suas dálias e estilhaços
sobre os surdos mares sem peixe e sem cânticos
sobre o sal furioso e seu mundo de alfinetes.

Vem um rebanho santo de cordeiros azuis.

Sobre a linha morta do pálido horizonte
sobre os detritos rudes de beijos ou de entranhas
sobre as canções apagadas do túmulo
sobre um enxofre negro de rosas destruídas

Vem um doce rebanho de cordeiros azuis.

Sobre o lago mais ermo e sua estrela inacessível
sobre a praia aberta ou seu grito mais distante
sobre o incêndio eterno da árvore eleita
sobre o diamante gélido e o seu gume a ferver

Vem um rebanho santo de cordeiros azuis.

Jahvé, minha voz de sangue, minha voz desamparada
minha voz feita de fogo tomada de teu espaço
as figueiras escrespa de meus queimados punhos!
Jahvé, minha voz ergue-se a chamar-te com cantos!

E as harpas radiantes agrupam seus cabelos
ao derramar as águas de suas luzes rápidas.
E as longas trombetas de prata, sobem
sobre as pontes verdes que há no céu dos céus

Porque sobre as vinhas, os fornos e os louros,
porque sobre as oliveiras, os gritos, os machados,
porque sobre o azeite, a farinha e a tristeza
porque sobre as negras bandeiras do soluço

Do soluço ou do raio, do tigre enfurecido
pelos brancos jardins do abrasado espaço
e seus caminhos certos de ausência ou de esperança
e suas altas margens que rugem como espadas

Vem um lento rebanho de cordeiros azuis.



Juan-Eduardo Cirlot. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 395

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