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quinta-feira, 15 de junho de 2017

Não, não é Cansaço...


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Álvaro de Campos, in "Poemas"

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

«Há sem dúvida quem ame o infinito,/ Há sem dúvida quem deseje o impossível,/ Há sem dúvida quem não queira nada —/ Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:/Porque eu amo infinitamente o finito,/ Porque eu desejo impossivelmente o possível,/ Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,/ Ou até se não puder ser...»

Álvaro de Campos

sexta-feira, 25 de março de 2016

«Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.»

Fernando Pessoa. O rosto e as máscaras. 2ª Edição. Ática. Lisboa, 1978., p. 55

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015



“Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco”


 Álvaro de Campos

segunda-feira, 14 de julho de 2014

terça-feira, 14 de junho de 2011

«Há grandes raivas feitas de cansaços.»

Fernando Pessoa. Self-Analysis and Thirty Other Poems. Translations by George Monteiro. Calouste Gulbenkian Foundation, Lisbon, 1988, p. 50
«Arre, estou farto de semi-deuses!
Onde é que há gente no mundo?»


Fernando Pessoa. Self-Analysis and Thirty Other Poems. Translations by George Monteiro. Calouste Gulbenkian Foundation, Lisbon, 1988, p. 44

CLEARY NON-CAMPOS!

Não sei qual é o sentimento, ainda inexpresso,
Que subitamente, como uma sufocação, me aflige
O coração que, de repente,
Entre o que vive, se esquece.
Não sei qual é o sentimento
Que me desvia do caminho,
Que me dá de repente
Um nojo daquilo que seguia,
Uma vontade de nunca chegar a casa,
Um desejo de indefinido,
Um desejo lúcido de indefinido.

Quatro vezes mudou a 'stação falsa
No falso ano, no imutável curso
      Do tempo consequente;
Ao verde segue o seco, e ao seco o verde;
E não sabe ninguém qual é o primeiro,
      Nem o último, e acabam.


Fernando Pessoa. Self-Analysis and Thirty Other Poems. Translations by George Monteiro. Calouste Gulbenkian Foundation, Lisbon, 1988, p. 40
Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-estar que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou.
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.

Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria:
Desde ontem a cidade mudou.


Fernando Pessoa. Self-Analysis and Thirty Other Poems. Translations by George Monteiro. Calouste Gulbenkian Foundation, Lisbon, 1988, p. 36

domingo, 8 de agosto de 2010

«Na véspera de não partir nunca...»


Álvaro de Campos

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Três Sonetos

I

[A Raul de Campos]


Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concedo.

Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.


Lisboa, (uns seis a sete meses antes do Opiário) Agosto 1913


Álvaro de Campos in Fernando Pessoa. Poesia de Álvaro de Campos Vol. I. Colecção dirigida por Vasco Graça Moura. Planeta DeAgostini, Lisboa, 2002 ., p.18

Carnaval

d


Aquela falsa e triste semelhança
Entre quem julgo ser e quem eu sou.
Sou a máscara que volve a ser criança,
Mas reconheço, adulto, aonde estou,

Isto não é o Carnaval, nem eu.
Tenho vontade de dormir, e ando.
O que passa, ondeando, em torno meu,
Passa

Dormir, despir-me deste mundo ultraje,
Como quem despe um dominó roubado.
Despir a alma postiça como a um traje.

Tenho máscara carnal do meu destino.
Quase me cansa me cansar. E vou,
Anónimo, menino,
Por meu ser fora à busca de quem sou


Álvaro de Campos in Fernando Pessoa. Poesia de Álvaro de Campos Vol. I. Colecção dirigida por Vasco Graça Moura. Planeta DeAgostini, Lisboa, 2002., pp.33/4
Depois a trágica retirada para o jazigo ou cova,
E depois o princípio de morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando que faz anos que
morreste;

Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.



Álvaro de Campos in Fernando Pessoa. Poesia de Álvaro de Campos Vol. I. Colecção dirigida por Vasco Graça Moura. Planeta DeAgostini, Lisboa, 2002
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