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domingo, 20 de setembro de 2015

«O que vem do fogo é tudo o que esperamos
para que só a cinza o possa receber.»

Fernando Guimarães, O Anel Débil

terça-feira, 20 de julho de 2010

«[…] Disseram-nos como / no instante em que nascemos a noite se
confundia com o nosso corpo. Víamos / que maiores se tornaram
estas paredes, agora presas / ao rosto materno. A sombra de uma
criança acabaria / aí por encontrar / as suas primeiras imagens. […]
Os olhos não têm pressa; viam ainda essas / recordações que se
tornaram no primeiro / dos nossos segredos. Não era outra a suspeita
que / ficava / do instante em que nascemos, até nos afastarmos de /
um sono que para nós havia de ser / difícil; recebíamos essa dádiva
e vimos como nela se / iniciara / também a culpa. O que era para
nós o nascimento / senão o início de uma separação? […]» («Acerca
de um Estúdio I»).


Fernando Guimarães. O Anel Débil. Porto, Edições Afrontamento, 1992, pp. 7-8.
«A poesia é o silêncio de um nome. Os caminhos a que ela nos conduz são tão próximos como a intimidade de qualquer linguagem. Mas não é em nós que essa linguagem existe. Há nela uma realidade própria que vem recusar a presença de quem é capaz de a pronunciar, porque só deste modo estaria ao nosso alcance revelá-la aos outros. E a essa realidade, que há-de ficar por fim repartida, se poderá chamar silêncio, para que a ninguém pertença.»
Fernando Guimarães. Casa: O seu Desenho, Lisboa, INCM, 1985, p. 10. Poesias Completas, ed. cit., p. 146.
«Alguém procura o livro / submerso; aproxima-se dele com a luz dos meses, / as imagens, a submissa reflexão. Os dedos estremecem / ainda e encontram os pesados arbustos da idade / ou folhas abertas como anéis. O último conhecimento.» («Idade»)



Fernando Guimarães. Poesias Completas vol. I: 1952-1988, Porto: Edições Afrontamento, 1994.,p.118
«Lê o poema, escuta a própria voz / dele, que não é minha, e só existe em nós.»


Fernando Guimarães. Poesias Completas vol. I: 1952-1988, Porto: Edições Afrontamento, 1994.,p.57
«A morte nunca vem pôr em questão a presença do homem no diálogo que mantém com o tempo. Quer dizer, cada um de nós nesse diálogo que é poesia – e, portanto, criação – não se destrói, porque isso não seria mais que fugir absurdamente à própria morte. E o nosso destino é encontrá-la.»

Fernando Guimarães. Poesias Completas vol. I: 1952-1988, Porto: Edições Afrontamento, 1994.

sábado, 26 de junho de 2010

«[…] e se elevávamos a voz era para que se / pudesse falar acerca / de
tudo o que se tornara frágil como este corpo / reflectido apenas /
trazido pela nossa sombra. Nada mais é preciso. /Recordamos / como
teria existido outrora um rosto que só a água / percorria.»


(«Acerca de Narciso»)



Fernando Guimarães. Tratado de Harmonia. Poemas.Porto. Editora Justiça e Paz.1988.,
p. 20.

Minotauro

Conhecemos os sulcos abertos pelas searas, a curva
do estio nos seus flancos, quando desceram levemente
sobre a mesma dor as folhas ligeiras da manhã,
o rumor que nasce pela cicatriz das palavras.

As mãos quase esquecidas ergueram um rosto
e começaram a procurar a fresca imagem da alegria,
o pão ácido e levíssimo que se derrama pelos lábios,
o fogo, as delgadas volutas que se fecham no peito.

Assim reunimos os pulsos, abandonamos na água
o clima pressentido, os círculos de um corpo
ferido pela vigília submersa do minotauro,

enquanto sete jovens gregos e sete donzelas
vinham ao seu encontro e ele alimentava-se
de uma calma, recente adolescência.


Fernando Guimarães. Poesia (1952-1980)., p.103

sexta-feira, 25 de junho de 2010

RECITATIVO IV

«Há qualquer coisa de imprevisível num labirinto,embora seja um caminho em que se procura representar a uniformidade, a simetria ou a identidade que parece existir em todas as diferentes partes que o constituem. Quando principiamos a percorrê-lo, sabemos que o espaço — no qual a diversidade e a multiplicidade das coisas encontram sempre uma possibilidade de se organizarem — como que deixa existir, pois a sua realidade acaba por ser posta em causa, ao confrontar-se com o que seria, finalmente, o afastamento a que toda a realidade passava a estar sujeita. Fácil se torna reconhecer que cada caminho se identifica com a própria ausência daquele que lhe é imediatamente anterior e, ao mesmo tempo, do que fica imediatamente a seguir. É por isso que sabemos que, por mais que caminhemos, nem por isso deixamos de correr o risco de não avançarmos, de não alcançarmos o fim que queríamos apesar de tudo atingir.
Perdido que foi tudo o que podia servir de referência, somos levados a reconhecer que o labirinto não está, afinal situado num espaço que, como já dissemos, se vai tornando ausente. E, ao desaparecer esta referência última, somos levados a concluir que ele é em nós próprios que existe acabando, assim, por se confundir cada vez mais com a nossa presença. Compreendemos, então, que todos os lugares são um labirinto, não para encontrarmos uma saída, mas para nele nos encontrarmos.»

Fernando Guimarães. Tratado de harmonia. Poemas, p. 44
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