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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023
O livro, de Gonçalo M.Tavares
De manhã, quando passei à frente da loja
o cão ladrou
e só não me atacou com raiva porque a corrente de ferro
o impediu.
Ao fim da tarde,
depois de ler em voz baixa poemas numa cadeira preguiçosa do
jardim
regressei pelo mesmo caminho
e o cão não me ladrou porque estava morto,
e as moscas e o ar já haviam percebido
a diferença entre um cadáver e o sono.
Ensinam-me a piedade e a compaixão
mas que posso fazer se tenho um corpo?
A minha primeira imagem foi pensar em
pontapeá-lo, a ele e às moscas, e gritar:
Venci-te.
Continuei o caminho,
o livro de poesia debaixo do braço.
Só mais tarde pensei ao entrar em casa:
não deve ser bom ter ainda a corrente
de ferro em redor do pescoço
depois de morto.
E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,
esbocei um sorriso, satisfeito.
Esta alegria foi momentânea,
olhei à volta:
tinha perdido o livro de poesia.
quarta-feira, 24 de junho de 2015
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
O NÚMERO 76
«Uma vaca, com o número 76 na orelha, está morta, o corpo caído sobre a neve. O excessivo frio súbito, matou vários animais - dezenas, centenas, milhares de animais. Mas nenhum animal era igual àquela vaca com o número 76 desenhado numa placa amarela agarrada à orelha. Esse número, sabe-se lá porquê, assusta.»
Gonçalo M. Tavares. Short Movies. 2.ª Edição. Editorial Caminho, 2011., p. 75
«como um cão à espera no lado de fora da porta de uma casa»
Gonçalo M. Tavares. Short Movies. 2.ª Edição. Editorial Caminho, 2011., p. 56
«(...) meninos brincam debaixo de pedaços de roupa que devem estar a secar.»
Gonçalo M. Tavares. Short Movies. 2.ª Edição. Editorial Caminho, 2011., p. 53
sábado, 31 de janeiro de 2015
O CAVALO
« Um cavalo parado; presa a ele uma carroça parada. Na carroça, dois corpos com uma corda ao pescoço e mãos amarradas atrás das costas. Estão mortos.
Voltamos ao cavalo. Está parado. Aguarda qualquer coisa. Uma ordem, talvez. Mas o cavalo não percebe nada. É muito estúpido.»
Gonçalo M. Tavares. Short Movies. 2.ª Edição. Editorial Caminho, 2011., p. 31
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
37.
psicanálise do Movimento: quem é louco e em que parte do Corpo.
qual o órgão louco?
o espaço louco?
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
qual o órgão louco?
o espaço louco?
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
14.
A história da dança não é, não pode ser, o Percurso dos Movimentos
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
domingo, 2 de junho de 2013
«Lembra-se - continuou Ernst - do que nos dizia muitas vezes: que a saúde mental de uma pessoa não estava no que ela fazia, mas sim naquilo em que ela pensava? Lembra-se de perguntar a cada um de nós: em que tens pensado? Lembra-se dessa pergunta, que nos metia medo? Se agora me fizesse de novo essa pergunta, agora que me sinto equilibrado, sabe o que lhe respondia? Que nos últimos dias tenho pensado em matá-lo.»
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 139
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domingo, 26 de maio de 2013
O sobrevivente de um campo de concentração disse:
«Os homens normais não sabem que tudo é possível.»
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 139
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 139
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«Não precisavam um do outro, pareciam pois preparados, se necessário, para o ódio.»
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 108
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curado de
«Estar curado não era apenas deixar de ter determinados comportamentos, era ainda esquecer o trajecto que de novo os poderia recuperar.»
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 104
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 104
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loucura,
saúde mental
«Wisliz traz uma ligadura na cabeça.
Fui operado à cabeça, diz Wisliz.
Tiraram-me a inteligência.
Dizem que sou estúpido, que não percebo.
Eu fico cansado, não me consigo concentrar.
Preciso de dormir muito, diz Wisliz.»
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 85/6
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quarta-feira, 15 de maio de 2013
«Dois tipos de educação recebera Mylia: a educação para ver e a educação para ouvir. Por ela, ou talvez pela sua doença,havia aprendido a tocar. Não se toca assim nas pessoas - escutava uma e outra vez. E assustava-se. Não se toca assim nas pessoas? Ela não o repetiria.»
Gonçalo M.Tavares. Jerusalém. Editorial Caminho, 7ª edição, 2005., p. 44
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