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quinta-feira, 4 de março de 2010

Os murmúrios da floresta

Enfim, um belo dia Romão viu-se casado. Trouxe a sua jovem esposa para a cabana da floresta. Nos primeiros dias não fez senão ralhar com ela, atirando-lhe ao rosto as vergastadas que tinha apanhado por sua causa.
-Não vale a pena martirizarem assim por ti um bom cristão.
Quando voltava da floresta, começava a querer expulsá-la de casa.
-Vai-te. Não quero mulheres em minha casa. Não gosto de dormir com mulheres, porque cheiram mal.
Dizia ele isto.
Mas, depois, foi-se acostumando a pouco e pouco. Oxana arrumava-lhe a casa, varria, lavava, tudo estava muito limpo e arranjado. Romão sentia-se contente e já se ria. Não só fez as pazes, como começou a gostar dela.
Palavra de honra, até ele mesmo se admirava!
Devo dar graças ao senhor, que me ensinou a ser razoável - dizia ele depois. Meu Deus, que parvo que eu era! Apanhar tantas vergastadas, para quê?! Agora vejo bem que fazia mal, recusando-me a casar. Estou muito contente com Oxana, mesmo muito contente.
Passaram-se as semanas e os meses. Um dia, reparei que Oxana se deitou num banco e começou a gemer. Durante a noite piorou. No dia seguinte, ouvi, com grande surpresa minha, o choro de uma criança.
«Toma! Há um menino cá em casa, disse eu para comigo. E não me enganava.
O menino não viveu muito tempo: apenas até à noite. Quando anoiteceu, já se não ouvia. Oxana pôs-se a chorar. Romão disse-lhe:
-Pronto, acabou-se. Já não temos menino. Não vale a pena chamar o pope; nós próprios o enterraremos debaixo de um pinheiro.
Romão atreveu-se a dizer isto. E não só o disse, como o fez: - abriu um buraco e enterrou o menino. Vês aquele velho tronco, acolá? São os restos de um pinheiro fulminado por um raio. Foi ali precisamente que Romão enterrou o menino. Ouve o que te vou dizer, meu rapaz: quando o sol se põe e a primeira estrela aparece no céu, um passarinho voa por cima desse sítio, soltando gritos de aflição. O coração despedaça-se-me ao ouvi-lo. O passarinho é a alma do menino que foi enterrado sem os Sacramentos, e suplica que lhe ponham uma cruz. Disseram-me que só um sábio que conheça os livros santos poderá salvar essa alma penada.
Oxana esteve muito tempo doente. Logo que melhorou um bocado, começou a passear horas inteiras sobre a campa do filho. O que ela chorava, meu Deus! Os seus lamentos ouviam-se em toda a floresta. A pobre não se podia consolar.
A Romão era-lhe indiferente a morte da criança; mas tinha dó de Oxana.
Ao vê-la chorar, dizia:
-Cala-te, minha estúpida. Não há de que chorar. Aquele menino morreu; mas pode ser que tenhamos outros, e até talvez melhores do que ele. Porque pode ser que o menino morte não fosse meu...Não sei nada, mas as pessoas murmuram...E o novo com certeza que será meu.

Korolenko in Os murmúrios da floresta. Contos.Trad. Fernando Lopes Graça. Edições «Sírius», 1941, pp. 104/105

terça-feira, 2 de março de 2010

O murmúrio da floresta tornou-se mais forte. O velho levantou a cabeça e escutou.
-O furacão aproxima-se, diz ele. Conheço-o bem. Quando ele começa a rosnar, a puxar pelos pinheiros, a arrancá-los da terra, é uma coisa que faz calafrios. É o demónio da floresta que se enfurece - acrescentou ele, mais baixo.
-Como é que o sabes, avô?
-Ora essa, sei-o muito bem! Compreendo a linguagem das árvores. Vês tu? As árvores também têm medo. O álamo alpino, por exemplo, essa árvore maldita, está sempre a gemer. Mesmo quando não há vento, treme. O pinheiro também. Quando está bom tempo, canta docemente; mas logo que o vento começa a soprar, põe-se a gemer de angústia. Escuta. Eu vejo mal, mas tenho bom ouvido. Agora é a azinheira que começa a queixar-se. O demónio da floresta ataca as azinheiras. É sempre assim antes do furacão.


Korolenko in Os murmúrios da floresta. Contos.Trad. Fernando Lopes Graça. Edições «Sírius», 1941, pp.98
- Bons dias, avô. Não está ninguém em casa?
- Eh! - e o velho fez um gesto negativo com a cabeça. Nem Zakar nem Máximo cá estão. Motria também partiu para a floresta, em busca da vaca. A vaca, provavelmente, extraviou-se. Talvez tenha sido devorada pelos ursos...Não, não está cá ninguém.
-Não faz mal, esperarei; e, enquanto espero, faço-lhe companhia.
-Como queiras.
Enquanto prendo o cavalo a uma azinheira, o velho olha-me com os seus olhos débeis e apagados. É muito, muito velho. Não vê quase nada, e as suas mãos são trémulas.
-Quem és tu, meu rapaz? -pergunta-me ele, depois de eu me ter sentado ao seu lado.
De cada vez que apareço faz idêntica pergunta.
-Ah! Agora caio em mim. É verdade, já me recordo, diz ele, contente, enquanto vai consertando uma velha bota rota - A minha velha cabeça já não conserva memória de nada. É como um crivo: dos que morreram há muito, recordo-me bem, mesmo muito bem; mas da gente nova esqueço-me sempre. Já se vê, como vivo neste mundo há tanto tempo...
-Vive nele assim há tanto tempo?
-Vamos, vamos, que há bastante. Já cá andava quando os franceses aqui vieram para batalhar com o nosso imperador.
-Então já tem visto muito, e já pode contar muita coisa.
O velho olha para mim com estranheza.
-Eu? Que tenho eu visto? Apenas a floresta, sempre rumorosa, seja de noite ou de dia, seja de inverno ou de verão. Tenho passado aqui toda a minha vida com estas árvores, e não tenho dado conta disso. Estou quase à hora da morte; mas às vezes, quando começo a pensar, pergunto a mim mesmo se vivi verdadeiramente ou não. Talvez nunca tenha vivido...


Korolenko in Os murmúrios da floresta. Contos.Trad. Fernando Lopes Graça. Edições «Sírius», 1941, pp.96/97

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Os murmúrios da floresta

A floresta estava agitada.
Naquela floresta havia sempre um murmúrio, um murmúrio regular, surdo como o eco de sinos longínquos, tranquilo e vago, como uma suave romança sem palavras, como uma recordação do passado. Aquela floresta estava sempre cheia de murmúrios, porque era muito velha e nunca tinha sido violada pelo machado dos lenhadores. Os altos pinheiros seculares erguiam os seus troncos vermelhos, como um exército sombrio, cerrando as copas verdes em espessas abóbadas.
Debaixo destas, tudo era calmo e cheirava a resina. Através do tapete de agulhas verdes, que cobria a terra, cresciam grandes fetos fantásticos, completamente imóveis. Nasciam ervas nos sítios húmidos. Florinhas humildes vergavam de cansadas as suas pesadas cabecitas. Mas nos cimos ouvia-se, incessantemente, sem interrupção, a selva a murmurar, soltando suspiros doloridos. (pp. 95)
Korolenko in Contos. Trad. Fernando Lopes Graça. Edições «Sírius», 1941.
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