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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

«Nessa noite, talvez não tivesse sido eu, mas o pavor dentro de mim, que de repente se tornou adulto.»

Herta Müller. Tudo o que eu trago comigo. Traduzido do Alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, 1ª edição, 2010., p. 24

Entendemos, sem compreender

«Entendemos, sem compreender, que ubornaia significa ida colectiva à retrete. Lá no alto, muito lá no alto, a lua redonda. A respiração esvoaçava diante dos nossos rostos, branca e cintilante como a neve debaixo dos nossos pés. A toda a volta, as pistolas automáticas prontas a disparar. E agora: calças abaixo.
   Aquele constrangimento, o sentimento de vergonha do mundo inteiro. Como era bom que aquela terra nevada estivesse tão sozinha connosco, que ninguém olhava para ela, a ver como nos compelia a todos a fazer o mesmo, ao lado uns dos outros, colados. Eu não precisava de ir à retrete, mas deixei cair as calças e pus-me de cócoras. Como era cruel e silenciosa aquela terra nocturna. Como nos expunha ao ridículo nas necessidades. Como a Trudi Pelikan, à minha esquerda, a arrepanhar o casaco com feitio de sino até às axilas e a puxar para baixo as calças até aos tornozelos, assim como o silvar da enxurrada entre os sapatos. Como, atrás de mim, o advogado Paul Gast a gemer de tanta força, como o intestino da sua sr.ª Heidrun Gast a estalejar da diarreia. Como, cintilante, logo congelava a toda a volta o vapor morno e pestilento. Como esta terra nevada nos zurzia uma cura de mata-cavalo, nos abandonava solitários de rabo a reluzir, no meio dos ruídos do baixo-ventre. Como se tornavam lamentáveis as nossas entranhas naquela comunhão.»


Herta Müller. Tudo o que eu trago comigo. Traduzido do Alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, 1ª edição, 2010., p. 23

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

«O que eu queria estar longe da família, nem que fosse para o campo de trabalho. Só me dava pena a minha mãe, que não sabia quão pouco me conhece. Que depois de eu partir pensará mais vezes em mim do que eu nela.»


Herta Muller. Tudo o que eu tenho trago comigo. Tradução do alemão por Aires Graça. D. Quixote, Lisboa, 2009., p. 14

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio

«Os clientes habituais diziam que a primeira mulher dele já morrera há muito e que ele não encontrara uma segunda porque trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio. O barbeiro dizia que o latoeiro nunca tivera mulher, que estivera quatro vezes noivo com aquele anel, mas casado nunca.»


Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p.18
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