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segunda-feira, 25 de abril de 2022

«Todo o literato mais ou menos falhado tem uma invencível necessidade de falar de si e da sua obra; até de dar nas vistas.»

José Régio. Há mais mundos. Círculo de Leitores, 1973., p. 76

domingo, 30 de agosto de 2020

 «O poeta, embora culto e senhor da sua técnica, parte da realidade ou - como disseram os clássicos e nós podemos voltar a dizer - imita a natureza. O literato parte quase sempre de um ou vários livros, é imitador de uma imitação. Daí provém a palidez das suas palavras, a pouca convicção e a arbitrariedade de tudo quanto diz. O poeta diz uma coisa onde nenhuma outra poderia dizer e di-lo com as únicas palavras possíveis, o literato fala por falar e nas palavras não se compraz.»

Obra Poética de Ruy Belo. Volume 3. Organização e Notas de Joaquim Manuel Magalhães e Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Editorial Presença. , p. 54

sábado, 27 de outubro de 2018

«Não direi hermética a poesia de Natércia Freire porque o hermetismo é um jogo verbal, um refinado exercício intelectual, cosa mentale mais do que a via espiritual. A sua poesia me parece antes quase involuntária, singularmente inspirada, soprada por não sei que Espírito ignoto ou inominado. Não sopra onde quer o vento  do espírito? É uma poesia que chamarei «pneumática» (do grego pnêuma =  sopro, do latim pneuma = o Espírito Santo), uma poesia de alma, mas não desencarnada nem angélica, como se desligada das realidades terrestres e da nossa condição carnal.»


João Bigotte Chorão. Alta, Misteriosa Poesia.
«Nunca é demasiado assinalar que há uma distinção a fazer entre valores literários e valores poéticos. Mas se nem todos os valores ditos literários são na verdade poéticos, os valores poéticos apuram-se na ordem literária, sua normal forma de expressão. O que torna por vezes perturbante a função crítica em literatura é quanto a poesia é da sua natureza indefinível. Além disso, poesia, não sendo propriamente ideia nem podendo ser apenas sentimento, é mais facilmente interpretável à luz do sentimento que a possibilita e da ideia que, por assim dizer, a dignifica. A tudo o resto, valorações e imagens, ritmo ou música formal, sobreleva, de facto, o que há de transfigurador no mistério da criação poética.»

Luís Forjaz Trigueiros. Arte e Técnica da Poesia.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

«(...) essa crítica literária adocicada e insípida, esses poemas que celebram de forma melodiosa a inocência das rosas e dos carneiros, e todos passam plausivelmente por literatura nos nossos dias.»



Ensaios de Virginia Wolf. O Momento Total. Organização e Introdução de Luísa M.ª Rodrigues Flora. Ulmeiro Universidade, p. 84

sábado, 30 de setembro de 2017


« A poética do pouco, se não do mínimo, do inerte mineral (ou pelo menos vegetal), define-se em parte pela negação: é uma poética do não, do espinhoso cacto não, e do prefixo in - (inenfática, impessoal, inexcessiva, inemocional); agarra-se a vinte palavras, sempre as mesmas (provavelmente: pedra, osso, esqueleto, dente; gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado; bala, relógio; seco, mineral, deserto, asséptico, vazio, fome; e, é claro, cana). Tendente à geometria certa de um cristal, deixa no entanto sempre à vista o material de que parte (...)»


Prefácio Óscar Lopes


João Cabral de Melo Neto. Poesia Completa 1940-1980. Escritores dos Países de Língua Portuguesa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 1986., p.11

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

POESIA

''o patinho feio entre os géneros literários''

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

«Ruy Belo é o grande rio do Tempo, Herberto Helder é omnifágico, o grande devorador das experiências humanas. Cesariny é o grande destruidor dos lugares comuns. E hoje, nesta atmosfera opressiva em que vivemos, é preciso mais e mais irreverência. É preciso não esquecer que dentro do grande estômago deste mundo do consumo tudo cabe. Tudo está na iminência de ser digerido e desaparecer.»

João Barrento (em entrevista)

«Criou até uma série de siglas que usa para classificar essa nova “literatura realista” de que fala. Começou com RUST, para Margarida Rebelo Pinto. Que categorias são essas?

RUST significa Realismo Urbano Sentimental Total e criei esta sigla para a Margarida Rebelo Pinto, mas agora também lá colocaria o Valter Hugo Mãe dos últimos romances. Depois Tenho o Realismo Rural Não Total, RRNT, onde coloco o José Luís Peixoto e o Afonso Cruz, que é aquele rural exótico. Tenho ainda o Realismo Fantástico Total, o RFT dos romances do José Rodrigues dos Santos. Mas há outros, a lista seria infindável. Há agora também a moda da violência espetacular de um autor de quem já gostei mas que hoje não acho nada interessante que é o Paulo José Miranda. Na mesma linha li um livro do Valério Romão e achei que apesar de tudo ele tem mais recursos. De entre estes novos e mediáticos escritores o único cuja obra eu considero original é o Gonçalo M. Tavares. É um escritor douto, capaz de abarcar um largo espectro de temas, de formas de linguagem, é imensamente culto e consegue trazer essa cultura para dentro dos seus livros.»

João Barrento
«A literatura e a poesia são sobretudo um trabalho de estruturação de um olhar sobre o mundo e depois a colocação desse olhar sob a forma de linguagem. Uma linguagem que não se limite a contar factos (isso, lá está, é o que fazem os media) mas que dê a ver o invisível através do visível. Isto não é uma questão de rejeitar o realismo mas sim da forma como se pode dar a ver esse realismo. Não há certamente escritor mais realista que o Beckett e no entanto olhe-se para a linguagem dos livros dele…»


João Barrento

sábado, 24 de outubro de 2015

O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português, 1978 Lisboa, Publicações D. Quixote

“É essa reconciliação com a imagem de nós próprios que Eduardo Lourenço nos vem propor em Labirinto da Saudade. Imagem que temos de redescobrir primeiro, sem a distorcer, hiperbolizar ou diminuir, para nos reencontrarmos como povo numa hora em que a perplexidade e a confusão podem tornar Portugal “impensável e invisível”. Bem alto e obsessivamente proclama-se ali em vários tons: “Chegou o tempo de nos vermos tais quais somos, o tempo de uma nacional redescoberta das nossas verdadeiras riquezas, potencialidades, carências, condição indispensável para que algum dia possamos conviver connosco mesmos com um mínimo de naturalidade. (p.80). O livro apresenta um discurso crítico sobre as imagens que forjámos de nós mesmos. Essa imagiologia engloba tanto a imagem condicionante do agir colectivo – o nosso “esquema corporal” – como os inúmeros retratos delineados e impostos na consciência comum por aqueles que mais determinam as perspectivas da autognose colectiva. Artistas, poetas, romancistas e historiadores. A imagiologia portuguesa que o autor nos oferece, centra-se quase exclusivamente sobre imagens de origem literária e, em particular, sobre aquelas que, na época moderna, “alcançaram uma espécie de estatuto mítico, pela voga, autoridade e irradiação que tiveram ou continuam a ter” (p.14) […] Eduardo Lourenço elabora com mestria o “discurso crítico” das sucessivas imagens literárias, até aqui apresentadas, da maneira de ser português. Através dessa análise crítica não assistimos apenas a uma pura dissecação da imagologia portuguesa nas suas diferentes inflexões; somos iniciados também a uma espécie de enteroscopia delicada das qualidades imponderáveis deste Portugal perdido no labirinto de si mesmo. […] Pensados e escritos fora de Portugal, os textos deste livro beneficiaram, sem dúvida, do distanciamento do seu autor, para lá do aparente excesso de fixação na temática agitada. Essa circunstância ajudou Eduardo Lourenço a ajuizar, com mais sangue-frio intelectual, o reverso dos fenómenos e das situações vividos no Portugal distante. […] Por todo o mundo de questões que levanta, o livro de Eduardo Lourenço tem sido qualificado como um dos mais importantes publicados sobre Portugal, de 1974 para cá. Não hesitamos em reconhecer-lhe idêntica importância, e em salientar, além disso, a sua flagrante actualidade num momento em que o ser e o destino de Portugal a todos nos preocupam e constituem objecto de reflexão de alguma “intelligentzia” que escapa à abulia e ao demissionismo suicidário”.
 
In Ribeiro da Silva “À procura da nossa imagem no Labirinto da Saudade”, Brotéria – Agosto-Setembro 1979.

Poesia e Metafísica Camões, Antero, Pessoa, 1983 Lisboa, Sá da Costa Editora


quarta-feira, 8 de julho de 2015

«Os que escrevem em louvor da glória querem ter a glória de ter escrito bem. Os que lêem querem ter a glória de ter lido.»


Conde de LautréamontCantos de Maldoror. Trad. Pedro Tamem. Prefácio Jorge de Sena, 2ª edição, Moraes Editores,Lisboa, 1979, p. 296

domingo, 18 de maio de 2014

sobre a crítica literária

«mas o tribunal de toda a escrita está em toda a parte e em parte alguma»

Eduardo Lourenço

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

«Segundo Vargas Llosa, não há “grande arte sem uma certa dose de irracionalidade”, porque “a grande arte expressa sempre a totalidade humana, na qual existe intuição, obsessão, loucura e fantasia, ao mesmo tempo que ideias. Na obra de Sartre, o homem parece exclusivamente composto destas últimas.” Chegou, então, à conclusão que “sua obra literária envelheceu de maneira terrível”, havia nela “uma escassa originalidade”. (VARGAS LLOSA, 1986:232-233).»

«Toda teoria que se apresenta como absoluta, como o cristianismo ou o marxismo,acaba, cedo ou tarde, por justificar o crime e a mentira. Questionado sobre o que seria essa“moral dos limites”, Camus afirmou que consistia “em admitir que um adversário pode ter razão, deixá-lo expressar-se e aceitar reflectir sobre seus argumentos” (apud VARGASLLOSA, 1986:332). »


Vidal, A. C (2009). Vargas Llosa: um intelectual latino-americano entre Sartre e Camus. Revista Brasileira de História & Ciências , - Número I .

terça-feira, 5 de outubro de 2010

«O ensaio de Eduardo Lourenço apresenta-se, assim, como uma espécie de escrita contra a escrita, naquele duplo sentido da expressão «ir contra» que está também presente em Wittgenstein quando se propõe «investir contra os muros (os limites) da linguagem», assumindo o risco de sair dessas investidas com alguns inchaços na testa. Alimentando-se mais de paixões do que de regras, ele desenvolve-se, em última análise, em espirais de pensamento e de escrita que lhe permitem, quer dar a ver o não visto, quer sugerir o não-dito através do entre-dito e do interdito. Gravando em cada linha o seu desenho de lapidares cintilações do (im)preciso, a sua palavra pode ser como a da poesia: bloco errático, solitário, de onde salta o silêncio das ideias ou a acutilância da visão clarividente.»


João Barrento. As pedras brancas de Eduardo Lourenço, p.5
«Em cada ensaio de Eduardo Lourenço se sente essa luz que revela o objecto, que o abre iluminando-o de tantos lados que não se chega a saber qual deles está mais próximo da finalidade última da busca, a de uma qualquer «essência», sempre à espera de revisão. José Gil di-lo também quando escreve: «Nunca um ensaísta, para escrever sobre o não sentido e o Nada, deu a ver com tanta diversidade e profusão o sentido de tudo.»

João Barrento. As pedras brancas de Eduardo Lourenço, p.4

segunda-feira, 7 de junho de 2010

sobre a formação da parte visual da imaginação literária,

«Digamos que diversos elementos concorrem para formar a parte visual da imaginação literária: a observação directa do mundo real , a transfiguração fantasmática e onírica, o mundo figurativo transmitido pela cultura em seus vários níveis, e um processo de abstracção, condensação e interiorização da experiência sensível, de importância decisiva tanto na visualização quanto na verbalização do pensamento.»

Italo Calvino. Seis propostas para o próximo milénio: lições americanas. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990., p. 110

terça-feira, 25 de maio de 2010

Israfel

Israfel (Edgar Poe)

In Heaven a spirit doth dwell
"Whose heart-strings are a lute;"
None sing so wildly well
As the angel Israfel,
And the giddy stars (so legends tell)
Ceasing their hymns, attend the spell
Of his voice, all mute. [...]




Israfel (Mallarmé)

Dans le ciel habite un esprit "dont les
fibres du coeur font un luth". Nul ne chante
si étrangement bien – que l'ange Israfel, et
les étoiles irrésolues (au dire des légendes)
cessant leurs hymnes, se prennent au
charme de sa voix, muettes toutes.
[...]




Israfel (Artaud)

Au ciel il est un coeur dont les cordes son l'âme d'un luth
comme un esprit de flamme, lá où l'âme ne monte plus.
Pas de chant plus sauvage au fond de l'absolu
que celui de ce luth en rafale d'élus
qui est la corde émue du coeur d'Israfel Ange
et chaque pulsation de cet oracle étrange
est comme un Sinaï où l'Amour Infini
a mis sa main de flamme au bord du Paradis.
Les astres enivrés comme le veut l'adage
rendant leurs chants muets sur l'ordre du Très-Sage
assistent ébahis
aux magiques scansion du dictame inouï
que le Barde d'en Haut épèle avec Sa Vie. [...]




Israfel (Herberto Helder)

No céu vive um coração de que as fibras são as cordas
de um alaúde
como a alma de uma labareda, no céu mais alto.
Não há tão selvagem canto no fundo do absoluto como
o canto deste alaúde em voragem
angélica, que é a corda vibrante do coração do Anjo
Israfel. E cada pulsação deste
obscuro oráculo
é um Sinai, onde o infindo amor pôs a mão em chamas, na
orla do Paraíso.
E diz a lenda que os astros bêbados emudecem,
e assistem atónitos
à inaudita ascensão daquela música
inaudita,
que o mágico bardo do alto soletra enquanto soletra a
sua vida,
cantando. [...]





«Não é difícil notarmos que a versão de Mallarmé está muito próxima do original de Poe, preservando todo o encadeamento dos versos e até mesmo o pequeno "aparte" entre parênteses, com pequenas mudanças, obviamente. Entretanto, a principal delas diz respeito à forma, já que os versos não aparecem quebrados, e sim com a estrutura de frases. A versão de Artaud, por sua vez, introduzirá uma série de imagens e temas que não fazem parte do original, tais como o sexto, o sétimo e o oitavo versos, que não encontram nenhuma correspondência com o poema de Poe, assim como os três últimos. Essas imagens – "obscuro oráculo", "Sinaï", "amor infindo", "Paraíso", – comparecerão no poema de Helder, confirmando a hipótese de que a sua tradução é realizada a partir do texto de Artaud. Entretanto, talvez essas alterações não sejam as principais mudanças sofridas pelo poema, embora sejam as mais evidentes.
É no primeiro verso que constatamos uma alteração ainda mais significativa: no poema de Poe há um espírito que vive no céu e cujas fibras do coração são um alaúde. Artaud, ao fazer a sua versão, descreve um coração que vive no céu, cujas cordas são a alma de um alaúde. Note-se aqui a bissemia da palavra alma, presente tanto na língua francesa como na portuguesa, que por um lado tem o significado de espírito, presente no original de Poe, e, por outro, o de um pequeno cilindro de madeira colocado entre o tampo e o fundo dos instrumentos de corda. Nessa segunda acepção, a palavra alma estaria afastada de seu aspecto transcendente para adquirir uma tonalidade mais material. Herberto Helder, ao fazer a sua versão, recupera nitidamente a inversão de Artaud, já que continua sendo um coração que vive no céu, e não mais um espírito, como no original, inversão que nos faz pensar na importância que os dois poetas concederam ao corpo e aos processos vitais; entretanto, a palavra alma, introduzida por Artaud no primeiro verso, desaparece para ser recuperada apenas no verso seguinte, mantendo a comparação do coração que vive no céu com a "alma de uma labareda", que em Artaud é "un sprit de flamme".»




Izabela Guimarães Guerra Leal. Doze nós num poema: Herberto Helder e as vozes comunicantes.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008., pp.117/8
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