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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

THANATOS E EROS


Espelho dentro de um absorto espelho,
quem vês dentro de ti mesmo,
o teu frio, talvez, a tua carência,
ou o convulso mistério que te embebe
para ser parte de ti o que do éden tu desejas?
Serás, por acaso,  o meu altivo delírio,
a outra metade perdida e nunca encontrada,
o outro inimigo que me procura?

Obscura tentação do proibido,
a tua indagação explica-me, turva-me até inflamar
a perversa paixão da aparência,
a vã leveza que me nega e te apaga,
a que lança na minha alma a sua promessa de amor
até ficar contigo, alheio e deslumbrado,
para assim me destruíres lentamente.
Mas o que procuras em mim? Serão os meus sonhos
ou as minhas reencarnações futuras?

Afasta de mim a tua exaltação tenebrosa,
ou será que formaremos sempre um só ser,
fundidos num corpo de cega luz.
Sei que somos duas forças fustigadas,
a luta fraticida entre Thanatos e Eros,
a impiedade da noite e o desdém da luz,
a claridade que pulsa com a sua agónica sombra.
O horror e o afã de se extinguir na tua vertigem,
sorvendo o teu brilho e o meu soluço,
tornam infindável a miragem.
O tempo divide-nos e reúne-nos.
Na palavra elevada voltamos a olhar-nos,
lenta ressurreição, sonho de pátria e vento,
olhos onde começamos a encontrar
as súbitas presenças da minha face e do teu revés,
enquanto a solidão e o silêncio se afundam
e nos deixam cativos, frente a frente, no nada.



Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 18

«Toco a hostil humidade no anoitecer
das tensas palavras que não esqueço
e escuto a palpitação do poema,
como se fosse o infinito espaço
que abraçasse o planeta solitário que eu sou.»


Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 18

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O SANGUE IRREFREÁVEL


A avidez que descubro nas minhas pupilas
como fera encerrada por um íntimo acaso.
Atracção por aquele fogo, a miragem
estende as suas areias perante o mar de Verão,
perante o voo dos pássaros que anunciam
o diálogo furtivo dos corpos.

Reino da lascívia sob palmeiras sombrias,
ardente brisa, música plena dos sentidos
iniciada na alma, respirada
com fruição pelos meus cinco salteadores dementes.
Quantas luzes se acenderam. Quanta pura agitação
nos lábios e nas ancas fugidias.

Emergi da espuma como um sol solitário.
Passei por dunas, oásis, cheirei esticados lençóis,
despertei os racimos mais pretos e os mais túmidos,
senti as certezas que estes dedos abriam.
Ali a dança, abismo de doçura,
e o seu vibrante ventre de timbale,
bebendo-se na desordem o meu futuro
sob o ar de uma vertigem de estrelas.
Fui tirano e escravo do gozo e da dor,
da dura saudade dos beijos,
da fugacidade depredadora
de tudo quanto vive e ama consumindo-se.
Despedaçado, escutei o pavor do capricho,
a impiedade que me nega ou aquela onde amanheço.

Morri com a convicção em tantas ocasiões
para ressuscitar com um vigor fragante,
e depois e depois e depois, depois de tantos anos,
sonho perante o mar rebelde do estio,
sonho com a juventude de um erguido desejo
e espero a maré das horas
vindo e indo até ao último deserto,
lá onde se dilui o sangue irrefreável.



Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 13/4

Consciência

Já nem conservas a fibra dos sonhos
que reclame a herança perdida da tua sorte?
Exiges certezas, uma fidelidade
de acordo com a paz do coração,
livre dos presságios onde espreita
o exausto pulsar do vencido.
Quanto desdém usurpa a tua integridade.
Ainda no erro manténs o orgulho
de ser entre medíocres o senhor dos náufragos.
Os teus olhos esculpiram no ar distante
a esperança, a única possível
de não ouvir a chuva de qualquer infortúnio.
É tão difícil perdurar, continuar
a insistir num ténue registo de palavras,
procurando-as pelos anos sombrios,
como se elas salvassem ou desculpassem
esta inquietude de merecer a vida.


Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 11

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