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terça-feira, 24 de janeiro de 2017

"A criança, quando criança / não sabia que era criança / tudo para ela tinha alma / e todas as almas eram uma só"

domingo, 9 de outubro de 2016


«A morte não pára de ir morrendo. Até a infância desmorrer.»

Carlos Nejar. A Idade da Eternidade. Poesia Reunida. Escritores dos Países de Língua Portuguesa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001., p. 261

sexta-feira, 12 de agosto de 2016


ILUSÕES
Recordação da minha terra (ao amigo João Gourgel)

Outrora, quando criança, as ilusões
que conservo qual herança valiosa,
guardava-as no coração de minha mãe
e minh'alma voava rindo, tão vaidosa...

Anos depois, pelas margens do Zaire
nos palmares, sentia a brisa dolente;
ansioso, lhe ouvia seus tristes cantos
e nas meigas relvas ficava dormente.
...........................................................
Mais tarde, as alvoradas eram para mim
ternos idílios, e então já pensava
horas esquecidas e o Zaire correndo,
na carreira, pensamentos me levava...

Um dia, depois vestiram-me um fato novo
e consultei o Zaire com o meu olhar
- «Vão-te levar» - pareceu-me ouvir dizer-te
num sussurro com uma alma a soluçar!

Hoje, depois de tão prolongada ausência
aí repousa a minh'alma sem um abrigo.
Muita vez de minha mãe pergunto ao Zaire.
Soluçando diz: - morreu ... sou teu amigo!

(Dos «Termos e Idílios»)
Luanda, 28 de Maio de 1900

Luz e Crença. n.º 2, 1903

Lourenço do Carmo Ferreira in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 22

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

terça-feira, 24 de março de 2015

O CORAÇÃO DO MENINO E O MENINO DO CORAÇÃO


O miúdo nasceu com as acertadas aparências. Só em altura de ensaiar primeiras
marchas lhe notaram o defeito, o enviesamento nos pezinhos, cada um não sendo como cada qual. Sobre as pegadas estrábicas a avó vaticinou:
- Este vai caminhar para dentro dele mesmo.
Depois outra malconveniência se somou: o rapaz engrumava as falas, tatebitudo. Os outros não entendiam mais que cuspes e assobios, até os parentes o escutavam com riso parvo de quem finge concordância. Não há medo maior que não se entender humana a voz de outra humana pessoa. A mãe conduziu a criança ao hospital. O doutor lhe mergulhou o ouvido no peito e se
ensurdeceu de tanto coração. O menino tinha o pulsar à flor da pele. O médico parecia entusiasmado com o inédito do caso.
- Necessitamos que ele fique, para mais exames…
- Nem pensar. Esse menino entrou comigo, há de sair comigo.
-Mas a senhora nem faz ideia… temos de encontrar um nome para a doença dele.
- Como um nome?
- Essa doença: eu tenho que lhe encontrar um nome!
- Mas esse nome, será que esse nome vai curar a doença dele?
O médico sorriu. Ai, essa gentinha simples, tão exímia em ser pensada pelos outros. E assim, sorriso descaindo no lábio, ficou olhando mãe e filho se afastarem no corredor. O menino levava em sua mão, descaída como pétala, uma carta que ele mesmo redigira. Queria ter dado ao doutor esse papelinho que sua inabilidade enchera de letrinha. Com desatenta ternura, a mãe lhe tirou o papel dos dedos e o lançou no latão. A mania desse mirabolhante! Deveria ser outra dessas tantíssimas cartas que o tontinho fingia escrever para sua apaixonada
priminha.
-Você ainda se carteia com Marlisa?
O menino negou com veemência. A mãe sacudiu a cabeça. Enfim, quanto ela se
esforçara em vão. Valera a pena insistir ensinamentos em quem nunca aprendera? Também Marlisa, a visada sobrinha, jamais cedera a abrir tais cartas. Nem valia a pena espreitar a caligrafia do atarantonto. Uns andam na lua. No caso, a lua é que andava nele. Certa vez, o rabiscador daqueles engatafunhos desabou no fundo do tempo. O menino faleceu, em azulidão de pele, todo frio como se nenhuma luz dele tivesse vontade. Os médicos correram para levar o corpo e lhe administrarem a extrema-autópsia. Lhe arrancaram o
coração, o universátil músculo, enormíssimo como um planeta carnudo. O órgão ficou em vitrina, exposto às ciências e aos noticiários. Os cardiologistas disputavam, em sucessivos colóquios, um apropriado nome para baptizar a anormalidade. Passaram-se os dias, anónimos. Era um fim de tarde, a prima Marlisa, ao arrumar as poeiras da casa, deparou com o monte de inúteis cartas. Sopesou-as antes de as lançar ao fogo. Hesitou por um segundinho: o moço sabia abecedar uma simples linha? Pelo sim pelo talvez, ela se aventurou a espreitar o primeiro envelope. E ali se sentou em espanto, ruga na fronte, mãos enrolando um demorado cabelo. Ficou horas, no assentado degrau. Aquilo não
eram cartas mas versos de lindeza que nem cabiam no presente mundo. Marlisa inundou a tristeza, tingiram-se as letras. Quanto mais a prima primava em seguir leitura mais rimava com nenhuma outra mulher, toda ela fora do contexto de existir. A moça se apaixonava postumamente?
Mas ali, arremessada na escada, nem Marlisa imaginava o que, no simultâneo tempo, se passava com o coração do primo que Deus e a ciência guardavam. Pois que, na vitrina gelada do Hospital, mal se resgou o primeiro envelope, o coração do primo deflagrou em sobressalto. Um oh se estilhaçou nos visitantes. E à medida que Marlisa, mais longe que mil paredes, ia desfolhando versos, o coração mais se desembrulhava, tremelusco-fuscando. Até que, daquele novelo vermelho, se viu desprender um braço, mais adiante um pé e a redondez
de um joelho e mais argumentos que faziam valer o facto: aquele coração estava em flagrante serviço de parto! E se confirmava, vinda das entranhas do útero cardíaco, uma total recém criança.
E quando, finalmente, o parto se desfechou se viu que o menino nascera igual ao seu progenitor de peito. Fazia medo como um quimicava o outro a papel chapado. Em tudo se semelhavam menos no desenho do pé. Os pés do nascido eram divergentes, como quem viesse para procurar, fora de si, gente de outras estórias.


Em Contos do nascer da terra, de Mia Couto

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

No pinhal

No pinhal, uma criança corre a tirar a caruma dos púcaros de resina, mergulhando os dedos (e, depois as formigas) nas baças sombras da água.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

«Perguntamo-nos se a criança tem necessidade de evasão como as criaturas de idade e batidas pelo uniforme pesadume das coisas. Por minha parte quero crer que o mundo gravita em sonho e em mistério. Cada partícula da vida encerra um conto de fadas. Não é preciso inventá-las. Os brinquedos de Nuremberga são de resto tanto mais apreciados pelos meninos quanto melhor reproduzem o real; ursos de feltro, cavalos de pau, pintainhos de lata que andam e vão bicando um imaginável grão de painço.»
 
 
 
 
Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 174/5
«Os contos de fadas, a meu ver, representam um perigo, neste nosso mundo de hoje, tão realista. Prefiro predispor as crianças para a vida da luta que para o sonho e a idealidade abstracta, sem ramo em que a ave azul ponha o pé.»



Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 171




*Acho que uma mulher deve acalentar ser mãe, tomando para si, primeiro, estes ensinamentos da vida. Conhecer o seu sangue, antes de o fazer germinar em corpo que não se torna árvore, ou sequer, animal consciente.

Quando escreve para crianças, tem a preocupação da idade delas?

« (...) Se escrevêssemos apenas as palavras que a criança emprega e de que sabe o significado, medíocre seria o nosso modo de expressão. A leitura duma página é um aprendizado. A criança vai-se recreando e aprendendo. Uma palavra que ignora, desde que pertença, bem entendido, ao nosso glossário quotidiano, é um obstáculo que vence penetrando-lhe o sentido por intuição natural.»


Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 169

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Salta-Pocinhas

«Cheirando aqui um provável rasto, furando além por uma brenha, por muito breve que fairasse, por mais subtil que andasse, giestas, urgueiras, pinheiros novos sacudiam-lhe o rocio para o focinho, brincadeira dispensável. Cuidadoso e lesto era o seu caçar, tão cuidadoso e lesto que não chegava a acordar o chão em que punha o pé, mas lá de descobrir láparo embezerrado no meio dum tojo, rã a coaxar no charco, besouro, que fosse, a tocar o rabecão, andava com tão pouca sorte que nem que a tivessem enguiçado olhos de feiticeira.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 18/9

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

domingo, 12 de dezembro de 2010

«Tive uma infância muito dura, muito difícil. Uma família que se desintegrou muito facilmente num lugar que foi totalmente destruído. Desde o meu pai e a minha mãe, inclusive todos os irmãos de meu pai foram assassinados. Vivi, portanto, numa zona devastada. Não apenas de devassidão humana, mas devassidão geográfica. Nunca encontrei até à data uma lógica que explique tudo isto. Não se pode atribuir à Revolução. Foi mais uma coisa atávica, uma coisa de destino, uma coisa ilógica. Até hoje ainda não encontrei um ponto de apoio que me mostre porque nesta minha família sucederam nessa forma, e tão sistematicamente, essa série de assassinatos e de crueldades.»

in Los muertos no tienen ni tiempo ni espacio, diálogo com Juan Rulfo

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Era uma vez dois irmãos que partiram para conquistar um lugar no mundo.
No meio do caminho deram com uma grande casa e no letreiro estava escrito que era uma casa de educação e deviam ficar lá sete anos, com a garantia de ficarem educados como deve ser.
«Quero ver o mundo» diz um dos irmãos e seguiu viagem.
«E eu vou para a casa de educação» diz o outro.
«Aqui deve primeiro aprender a estar nas pernas como deve ser. Primeira Posição!» e ele ficou na primeira posição.
«A Palavra é de Prata e o Silêncio é de Ouro» disseram, e ele calou-se para sempre.
«Não deve pensar em si próprio da maneira que se veja. Os olhos só devem olhar para a frente!» e então os olhos passaram só a olhar para a frente.
«Não ponha as pernas assim quando anda» - «É melhor atá-las com uma corda» diz ele e imediatamente foram atadas com cordas.
«Nem os braços devem mover-se assim!» disseram «umas cordas neles também!»
Puxaram então as cordas e ele moveu-se como foi ensinado.
Agora estava educado.


A Educação é aprender a ficar como uma marioneta - parte de uma peça teatral de Hans Christian Andersen.

Tudo Dança

Toca alegremente o Violino.
Tudo Dança! Dou a minha Palavra!
Olha, a Terra gira à volta do Sol,
E a Lua à volta da Terra;
Dançamos todos, uns com os outros,
Até o coração anseia avançar.
E, se o Vinho sobe à cabeça,
Temos a Sala, também, a dançar.

Hans Christian Andersen, 1832
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