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domingo, 24 de abril de 2016

terça-feira, 1 de abril de 2014



   «O meu exemplar (primeira edição, hoje rara) descobri-o em Coimbra, por acaso, durante o despejo dum armazém de alfarrabista pobre. Não está mal conservado apesar no segundo terço do livro e um túnel de traça, ainda incipiente, que eu próprio limpei e desinfectei, assim como meti cola nova na lombada, esta sem dúvida em mau estado: a tela interior no fio, o papel de fora a esfarelar-se.»



Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 425

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Le malheur

Suivi du Suicide impie,
A travers les pâles cités,
Le Malheur rôde, il nous épie,
Prés de nos seuils épouvantés.
Alors il demande sa proie ;
La jeunesse, au sein de la joie,
L'entend, soupire et se flétrit ;
Comme au temps où la feuille tombe,
Le vieillard descend dans la tombe,
Privé du feu qui le nourrit.

Où fuir ? Sur le seuil de ma porte
Le Malheur, un jour, s'est assis ;
Et depuis ce jour je l'emporte
A travers mes jours obscurcis.
Au soleil et dans les ténèbres,
En tous lieux ses ailes funèbres
Me couvrent comme un noir manteau ;
De mes douleurs ses bras avides
M'enlacent ; et ses mains livides
Sur mon coeur tiennent le couteau.

J'ai jeté ma vie aux délices,
Je souris à la volupté ;
Et les insensés, mes complices
Admirent ma félicité.
Moi-même, crédule à ma joie,
J'enivre mon coeur, je me noie
Aux torrents d'un riant orgueil ;
Mais le Malheur devant ma face
A passé : le rire s'efface,
Et mon front a repris son deuil.

En vain je redemande aux fêtes
Leurs premiers éblouissements,
De mon coeur les molles défaites
Et les vagues enchantements :
Le spectre se mêle à la danse ;
Retombant avec la cadence,
Il tache le sol de ses pleurs,
Et de mes yeux trompant l'attente,
Passe sa tête dégoûtante
Parmi des fronts ornés de fleurs.

Il me parle dans le silence,
Et mes nuits entendent sa voix ;
Dans les arbres il se balance
Quand je cherche la paix des bois.
Près de mon oreille il soupire;
On dirait qu'un mortel expire :
Mon coeur se serre épouvanté.
Vers les astres mon oeil se lève,
Mais il y voit pendre le glaive
De l'antique fatalité.

Sur mes mains ma tête penchée
Croit trouver l'innocent sommeil.
Mais, hélas ! elle m'est cachée,
Sa fleur au calice vermeil.
Pour toujours elle m'est ravie,
La douce absence de la vie ;
Ce bain qui rafraîchit les jours ;
Cette mort de l'âme affligée,
Chaque nuit à tous partagée,
Le sommeil m'a fui pour toujours

Ah ! puisqu'une éternelle veille
Brûle mes yeux toujours ouverts,
Viens, ô Gloire ! ai-je dit ; réveille
Ma sombre vie au bruit des vers.
Fais qu'au moins mon pied périssable
Laisse une empreinte sur le sable.
La Gloire a dit : "Fils de douleur,
"Où veux-tu que je te conduise ?
"Tremble ; si je t'immortalise,
"J'immortalise le Malheur."

Malheur ! oh ! quel jour favorable
De ta rage sera vainqueur ?
Quelle main forte et secourable
Pourra t'arracher de mon coeur,
Et dans cette fournaise ardente,
Pour moi noblement imprudente,
N'hésitant pas à se plonger,
Osera chercher dans la flamme,
Avec force y saisir mon âme,
Et l'emporter loin du danger ?


Alfred de Vigny

domingo, 19 de setembro de 2010

2.

A morte do titã


Do grande ventre da noite a manhã rompeu em dor,
Sobre a terra palpitante ronca a feroz a trovoada,
O Titã acorda enfim, sua cara ensanguentada,
E o rude carvalho arranca, brutal, em seu estertor.

Em agonia mortal delira e, ao seu rugido,
Aves tremem, a costa afunda-se em mar e de terror
Rios secam, montes sucumbem no seu interior,
Rochedos fendem e o manto das nuvens é rompido.

Uiva o relâmpago, os mares extravasam em estrondo;
O gigante vacila e então, com embate hediondo
Cai, e dos tronos brilhantes as estrelas irrompem.

Caiu; a terra alarmada, em louca fúria ferida,
Fendeu, rompeu, vergou; no ar, o eco da praga ouvida;
Mas no céu, o som continuou a sorrir em seu desdém.


Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 11

quarta-feira, 28 de julho de 2010

University Parks

Do céu pende a folhagem.
A miúda angústia a que
de novo apoio os cotovelos
adquire aqui tonalidades de ouro.

Passaram cães que pareciam cabras.
Por entre os vidros
inquietos dos meus óculos, o verde
das folhas tinge o coração.

Nas ervas
que crescem do meu espírito
pequenos animais escondem o focinho.

O mar vem agarrado à luz. As árvores
desafiam o sol como se nele
tivessem as raízes enterradas.



Luís Miguel Nava. Poesia Completa 1979-1994. Prefácio de Fernando Pinto do Amaral e Org. e Posfácio de Gastão Cruz. Publicações Dom Quixote, Porto, 1ª ed. 2002., p. 155

domingo, 2 de maio de 2010

Sem outro intuito

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.



Luís Miguel Nava. Vulcão I.Poesia Completa 1979-1994.Prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Organização e Posfácio de Gastão Cruz. Publicações D. Quixote, 2002.

A noite

A noite veio de dentro, começou a surgir do interior
de cada um dos objectos e a envolvê-los no seu halo negro.
Não tardou que as trevas irradiassem das nossas próprias
entranhas, quase que assobiavam ao cruzar-nos os poros.
Seriam umas duas ou três da tarde e nós sentíamo-las
crescendo a toda a nossa volta. Qualquer que fosse a pers-
pectiva, as trevas bifurcavam-na: daí a sensação de que,
apesar de a noite também se desprender das coisas, havia
nela algo de essencialmente humano, visceral. Como ins-
tantes exteriores que procurassem integrar-se na trama
do tempo, sucediam-se os relâmpagos: era a luz da tarde,
num estertor, a emergir intermitentemente à superfície das
coisas. Foi nessa altura que a visão se começou a fazer
pelas raízes. As imagens eram sugadas a partir do que
dentro de cada objecto ainda não se indiferenciara da luz
e, após complicadíssimos processos, imprimiam-se nos
olhos. Unidos aos relâmpagos, rompíamos então a custo
a treva nasalada.



Luís Miguel Nava. Vulcão I.Poesia Completa 1979-1994.Prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Organização e Posfácio de Gastão Cruz. Publicações D. Quixote, 2002.

domingo, 11 de abril de 2010

diante do mar

diante do mar

antevejo as planícies místicas de outubro,
quando o vento trás o travo das gaivotas
à boca semeada das papoilas da primavera

é verdade, há um caminho secreto que conduz,
através dos verdes campos de maio,
à casa que, regada do incêndio do verão
mostra em outubro que, depois da bucólica infância
das imagens, vem sempre o espaço do poema:


o olhar que distende o movimento da mão conduz
à casa a casa a casa a casa
a conciliação dos trabalhos da mão
com o perfume do silêncio


então, antevejo:
o poema é a mão que corrige o olho,
que antecipa a eternidade

sou o caminho dessa mão
que antevê o cálculo
do marinheiro que manobra
o astrolábio da canção

essa mão é todo o corpo do poema

a mão que distende o travo das manhãs pela paisagem
e mantém sempre todo o silêncio junto ao peito,

a mão que escreve as marés as marés as marés
e trás a lua a lua a lua para o olho,
e trás a lua condenada pela carne e pelo sal
à degustação das parábolas


entretanto,
o gosto progride, como um segredo

a mão promove uma lenta infância que se alarga,
um caminho através do poema, que
não teme a derrocada das casas, que
promove o anseio salubre que
as planícies infundem no rosto da criança
adormecida

sabe-se que
diante do mar, todos os caminhos levam ao silêncio


Luís Felício

segunda-feira, 22 de março de 2010

92

Eu não sou eu.
Sou este
que vai a meu lado sem eu vê-lo;
que, por vezes, vou ver,
e que, às vezes, esqueço.
O que se cala, sereno, quando falo,
o que perdoa, doce, quando odeio,
o que passeia por onde estou ausente,
o que ficará de pé quando eu morrer.



Juan Ramón Jimenez in Antologia Poética. Selecção e Trad. de José Bento. Relógio D'Água, 1992, pp.96

sábado, 13 de março de 2010

Limites

Destas ruas que afundam o poente
Uma (mas qual?) já tenho percorrido
Pela última vez, indiferente
E sem adivinhá-lo, submetido

A Quem prefixa omnipotentes normas
E uma secreta e rígida medida
Às sombras e aos sonhos e às formas
Que destecem e tecem esta vida.

Se para tudo há um termo e há medida,
Última vez e nunca mais e olvido,
Nesta casa de que pessoa querida
Nos despedimos sem ter sabido?

A noite cessa p'ra lá da vidraça
E da pilha dos livros que truncada
Sombra pela indecisa mesa espaça
Há-de havê-los dos quais não lemos nada.

No Sul ao menos um portão arruinado
Existe com jarrões de alvenaria
E nopais dentro, que me está vedado
Como se fosse uma litografia.

Fechaste alguma porta pela certa
E para sempre. Um espelho em vão te aguarda.
Julgavas a encruzilhada aberta
E Jano quadrifonte está de guarda.

Entre as tuas memórias uma existe
Que sem remédio se veio a perder;
Àquela fonte não te hão-de ver
Descer o branco sol, a lua triste.

Não volta a tua voz a quanto o persa
Disse em língua de aves e de rosas,
Quando ao sol-pôr, perante a luz dispersa,
Quiseres dizer inolvidáveis cousas.

E o incessante Ródano e o lago,
Esse ontem, sobre o qual hoje me inclino,
Tão perdido estará como Cartago,
Sepulta em fogo e sal pelo latino?

Parece-me na alva que soou
Vivo rumor de gente. Assim vos vais,
(Foi tudo quem me quis e me olvidou)
Espaço e tempo e Borges já deixais.


Jorge Luis Borges in Poemas Escolhidos. Edição bilingue. Selecção e Trad. Ruy Belo.
Dom Quixote, Lisboa, 2003, pp.31-33

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Poema Conjectural

O doutor Francisco Laprida, assassinado no dia
22 de Setembro de 1829 pelos «montoneros» de
Aldao, pensa antes de morrer:
Zumbem as balas pela tarde última
Há vento e há cinzas sobre o vento,
dispersam-se o dia e a batalha
disforme, e a vitória é dos outros.
Triunfam os bárbaros, os gaúchos.
Eu, que estudei as leis e mais os cânones,
eu, Francisco Narciso de Laprida,
cuja voz declarou a independência
destas cruéis províncias, derrotado,
de sangue e de suor manchado o rosto,
sem esperança nem medo e perdido,
vou para Sul por arrabaldes últimos.
Como aquele capitão do Purgatórioque,
debandando a pé e ensanguentado
o plaino, a morte fez cegar, tombar
lá onde um rio obscuro perde o nome,
assim hei-de eu cair. Hoje é o termo.
A noite lateral de infindos pântanos
espia-me e demora-me. Oiço os cascos
da minha quente morte que me busca
com ginetes, com belfos e com lanças.
Eu que ansiei ser outro, ser um homem
de sentenças, de livros, de ditames,
sob o céu jazerei entre lameiros;
mas endeusa-me o peito inexplicável
um júbilo secreto. Entretanto enfim
o meu destino sul-americano.
A esta fatal tarde me levava
o labirinto múltiplo de passos
que meus dias teceram desde um dia
da meninice. Descobri por fim
a recôndita chave dos meus anos,
a sorte de Francisco de Laprida,
a letra que faltava, essa perfeita
forma que soube Deus desde o princípio.
No espelho desta noite recupero
o meu insuspeitado rosto eterno.
Vai-se fechar o círculo e aguardo.
Pisam meus pés a sombra dessas lanças
que me buscam. A mofa já da morte,
os ginetes, as crinas, os cavalos
adejam sobre mim...Já o primeiro
golpe me fende o peito, o duro ferro,
a faca interior sobre a garganta.
Jorge Luis Borges in Poemas Ecolhidos. Edição bilingue. Trad. e
selecção de Ruy Belo. Dom Quixote, 2003., pp.17/19
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