sexta-feira, 22 de março de 2013


«O sol não nascera. O mar apenas se distinguia do céu pelo leve preguear das águas, semelhantes a um tecido finamente enrugado. Lentamente, à medida que o céu clareava, uma barra de sombra desceu no horizonte, separando o céu do mar, e o grande tecido cinzento ficou marcado por grossas linhas que se agitavam sob a superfície, perseguindo-se num ritmo infindável.
  Ao aproximarem-se da praia as ondas erguiam-se, tomavam forma e desfaziam-se arrastando pela areia um ténue véu de espuma branca. A ondulação detinha-se, partia de novo, suspirando como alguém que dorme e cujo sopro vai e vem sem que a sua consciência o saiba. Pouco a pouco, a barra escura do horizonte clareou como as impurezas de um vinho antigo que se depositassem numa garrafa, deixando transparecer o seu vidro. Lá ao fundo, também o céu se tornou translúcido, como se nele se houvesse desprendido um sedimento branco, ou o braço de uma mulher reclinada no horizonte erguesse ao alto uma lâmpada. Faixas de branco, amarelo e verde alongaram-se sob o céu como longas folhas de um leque. Depois a mulher ergueu a lâmpada ainda mais alto: o ar inflamado pareceu cindir-se em fibras vermelhas e amarelas, elevando-se da superfície verde num frémito ardente, como as chamas envoltas em fumo de uma fogueira. Pouco a pouco, todas as fibras se fundiram numa única massa incandescente e o cinzento do céu transformou-se num milhão de átomos de um suave azul. A superfície do mar tornou-se transparente e as grandes linhas escuras quase desapareceram no ondular das águas e na sua cintilação. O braço que sustinha a lâmpada continuou a subir devagar até que uma grande labareda surgiu.
  Um disco de fogo ardeu no rebordo do horizonte e o mar à sua volta tornou-se um esplendor de ouro.
  A luz feriu as árvores no jardim, e as folhas agora transparentes iluminaram-se uma a uma. Um pássaro cantou alto. Houve uma pausa. Depois outro pássaro retomou, mais baixo, o mesmo canto. O Sol deu contornos às paredes da casa e poisou como a ponta de um leque numa persiana branca, deixando uma dedada de sombra azul sob a folhagem próxima da janela de um quarto. A persiana estremeceu ao de leve, mas dentro de casa tudo permaneceu vago e sem substância. Lá fora, os pássaros cantavam as suas melodias vazias.»
 
 
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 7/8

quinta-feira, 21 de março de 2013

'' o enterro das ribeiras''

OS PINTASSILGOS DE MIRANDELA

Nasci numa casa com gaiolas brancas
espalhadas pelo Verão
Era o meu pai vivo e o meu avô estival
entrava pela hora mais terna
enquanto encarregado das gaiolas
e a minha infância inteira decrescia
no canto da casa dos pássaros

O alpendre era de uma inclinação natural
com avô e pássaros encostados à sombra dos álamos
e as gaiolas casas que os abrigavam
do frio, da fome e dos gatos bravos
A minha alegria era quente como a terra
e contava ensinar ao meu filho bisneto
a tracção pelos grilos, caracóis
e pintassilgos na doçura das borboletas
Em Mirandela havia um vale junto a um rio
com pomares e o cheiro de figos fáceis
Os pintassilgos divididos na abundância
eram como crianças atrás das amoras
que inspiram as flores de uma música sucessiva

O Pintassilgo é a mais bela ave silvestre
e se não pudesse manter as gaiolas em casa
era como se não houvesse onde permanecer
Eles amotinavam-se nas minhas barbas
desalojam corvos e os dragões dos poemas
fazem a tarde parecer tão antiga e adormecer
como a infanta primavera em que o meu avô
era o estio e os bisnetos existiam mesmo
e os nossos olhos acariciavam os pássaros,
que é tão tarde agora para dizer aqueles que morriam
exaustos a contar os meses atrás das grades



Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 33/4

[Frances Benjamin Johnston, full-length self-portrait dressed as a man with false moustache, posed with bicycle, facing left]


cabotino


nome masculino


 1. cómico ambulante
2. actor pouco competente na sua profissão
3. figurado indivíduo que alardeia qualidades que não tem

(Do francês cabotin, «idem»)

«Os caçadores são os mais ferozes amantes das aves» 



Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 17

colar negro

serpente-pássaro


«(...)»
Mas por vezes o travesso vento primaveril,
Ou a combinação das palavras num livro de acaso,
Ou o sorriso de alguém puxavam-me de repente
Para a vida que não se realizou.
Nesse ano teria acontecido isso e aquilo,
Nessoutro - isto: viajar, ver, pensar
E lembrar, e em novo amor
Entrar, como num espelho, com a consciência obtusa
Da traição e com, ainda ontem não a tinha,
Uma pequena ruga...




Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992.

3


Anoitece, e no céu azul muito escuro
Onde há pouco a igreja de Jerusalém
Resplandecia com misteriosa magnificiência,
Apenas duas estrelas sobre a confusão dos ramos,
E a neve esvoaça de algures sem ser do alto,
Mas como se da terra se erguesse,
Preguiçosa, terna, com cautela.
O meu passeio foi-me estranho nesse dia.
Quando saí, ofuscou-me
O limpo reflexo sobre coisas e rostos,
como se por todo o lado as pétalas pousadas
Dessas rosas pouco grandes amarelo-rosadas,
Cujo nome eu esqueci.
O frio ar seco e sem vento de Inverno
De tal modo acariciava e guardava cada som
Que me parecia: o silêncio não existe.
E na ponte, pela balaustrada ferrugenta
Enfiavam as mãos com pequenas luvas
As crianças, para alimentar patos sôfregos e matizados
Que mergulhavam na brecha cor de tinta.
E eu pensei: não pode ser
Que um dia eu esqueça isto.
E se um caminho difícil está à minha frente,
Eis um leve peso, que posso
Carregar comigo para na velhice, na doença,
Quem sabe, na miséria - recordar
O pôr do sol exaltado, e a plenitude
Das forças da alma, e o fascínio da vida querida.


1914-1916

Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992., p. 47

«Há sempre um chinelo velho para um pé doente.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 484

carpideira

nome feminino

 1. pessoa a quem se paga para chorar os defuntos durante os funerais
2. figurado mulher que anda sempre a lastimar-se
3. figurado lamúria; choradeira

«Desgraçados dos que possuem o juízo todo.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 477


«(...) aflorava o assunto, mas com muitos rodeios a fim de ver se conseguia levar a águia ao seu moinho.»




Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 466


«Os últimos cartuchos, ó minha perdiz,
Desperdicei-os com as cotovias.
E agora cheio de despeito
Só me resta olhar para ti.»








Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 444

deferência


nome feminino

1. atenção respeitosa
2. condescendência respeitosa
3. acatamento




«     Senhora do sangue do meu altar
Sangue do sacrifício no monte sagrado
O do nosso filho - o sangue do cordeiro - corre no monte
                                                sagrado:
              sangue do teu ventre...sangue do sacrifício...!»


Turcsány Péter.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p. 63



«depois de vós, não é permitido ter frio.»



Tóth Erzsébet.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p. 61

COMO SE



meia-noite no quarto a luz pisca
abro esta janela para mim
o sonho bruxuleia quase extinto
faço como se não tivesse frio

faço tudo como se fosse amanhã
porquê acreditar quando se discursa
porquê acreditar que aqui agora é Verão
a palavra esquarteja-se na minha boca

juntam-se estorninhos por cima de mim
-céus o que eu também estou a dizer -
só aranha caça moscas de Outono
será que alcanço uma morte digna


1974


Pátkai Tivadar.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p. 47

Luto Branco


a Cskonai Attila

Acumula-se, como nos lábios fria
nicotina, nos arbustos o amarelo de morte,
em roto casaco as árvores envoltas:
nevoeiro: - luto branco do nosso parque!


Os lagos são máscaras de prata geladas,
como a calma no rosto de minha mãe!
Distintivos - murchar das folhas, das equimoses
na folhagem do bosque, no meu rosto.


Unha escavadora, a Lua sob os olhos nossos;
flores do Dia dos Mortos:
caem-nos crisântemos nos braços
-consoladores!- na neve dos nossos ossos!


Troncos em fila para um Deus severidade,
pensamentos desarmados
-deforma-se a máscara de prata do lago:
degelo - soluça síroco.


Calma severa no rosto de minha mãe;
planta árvores de folha-distintivo
na colina sagrada de crisântemos:
que eles se elevem aos país-ave.


E acumula-se ainda, como nos lábios fria
nicotina, nos arbustos o amarelo de morte,
e em roto casaco as árvores envoltas
-nevoeiro! - luto branco do nosso parque!

Géczi János.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.23

quarta-feira, 20 de março de 2013



«-A pobreza precisa de alegria, meu filho - disse a velha. - A dor necessita de distracção, senão devora-nos. Mais vale nós a devorarmos.- Enquanto falava, batia com o punho numa pedra. - A mim, que estou a divertir-me, a Morte já me fez sobrer bem. Como vingar-me daquele miserável?
já não posso conceber filhos, senão ela havia de ver.» 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 437



«Morremos por ser homens sem lenda, sem grandeza, sem mistério», dirá por sua vez o próprio Céline. E talvez seja esta a fonte das desgraças do homem moderno.



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 13

bípedes em busca de uma côdea

 
«Céline fala pelos não-judeus e faz-se vítima: « Nada tenho de especial contra os Judeus enquanto judeus, ou seja, galfarros como os outros bípedes em busca de uma côdea...Não me incomodam nada. Um judeu vale tanto como um bretão, assim em bloco, em igualdade de circunstâncias, como um tipo de Auvergne, um franco-monhé, um 'filho de Maria''...É possível...Contra o racismo judaico é que me revolto, é que sou mau e fervo até às profundezas das cuecas!...Vocifero! Faço estrondo! parêntesis  Para o Judeu, lembrem-se disto...quem não for judeu é animal!»  



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 10

Louis-Ferdinand Céline


«Mas em Céline, homem de obcecações e ódios irreprimíveis, nunca existiu meio termo. Céline não hesitou em mostrar-se desabrido e fanático.»

Aníbal Fernandes


Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 10

tartufo

tartufo
nome masculino
indivíduo hipócrita; velhaco; devoto fingido
(Do italiano Tartufo, antropónimo, personagem da comédia italiana, aproveitada por Molière, pelo francês Tartufe, «idem»)

tartufo In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-20].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/tartufo
>.
tartufo
nome masculino
indivíduo hipócrita; velhaco; devoto fingido
(Do italiano Tartufo, antropónimo, personagem da comédia italiana, aproveitada por Molière, pelo francês Tartufe, «idem»)

tartufo In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-20].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/tartufo
>.
nome masculino

 indivíduo hipócrita; velhaco; devoto fingido

(Do italiano Tartufo, antropónimo, personagem da comédia italiana, aproveitada por Molière, pelo francês Tartufe, «idem»)


«O poeta rouba onde pode.»


Méliusz József
«no fogo do relâmpago galopa o cavalo,»


Géczi János.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.21

terça-feira, 19 de março de 2013

''camomila-da-morte''

CADA VEZ MAIS LINDO




O espelho de gelo todo ensanguentado
                        significa amor
distância
o pátio da prisão
                       coberta de neve

                    vejo
o luar desenterrado
e cai               cai
sobre a minha sombra
cai a neve sem parar



Biró József.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.15

''a noite de LUAR cheira a PÃO''


Biró József.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.13



«Colocou palavras milagrosas
No tesouro da minha memória.»



Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992., p. 43







3


SOMBRA
                                                                                                     


                                                                                                          Que sabe certa mulher
                                                                                                                                Sobre a hora da morte?

                                                                                                                 O. Mandelshtam



Sempre mais elegante, mais rosada, mais alta que todas,
Para que vens ao de cima do fundo dos anos tombados
E a memória rapace diante de mim faz tremular
O teu perfil transparente por trás dos vidros do coche?
Como se discutia nessa altura - tu, anjo ou pássaro!
Uma pequena palha te chamou o poeta.
Para todos por igual através das negras pestanas
Dos olhos em abismo fluía a terna luz.
Oh sombra! Perdoa-me, mas o tempo claro,
Flaubert, a insónia e os lilases tardios
De ti - bela de 1913 -
E do teu dia indiferente e sem nuvens
Me fizeram lembrar ...Mas tais recordações
A mim não me ficam bem. Oh sombra!


9 de Agosto de 1940. De noite.

Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992., p. 33

AOS DEFENSORES DE ESTALINE


São estes que gritavam «Solta
Barrabás para nós na festa», estes
Que mandaram a Sócrates beber
Veneno na estreiteza muda da prisão.

Despejar-lhes a mesma bebida
Na boca inocentemente difamatória,
A estes queridos amantes das torturas,
Peritos na fabricação de órfãos.


1962


Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992

sábado, 16 de março de 2013

aguaçal


baús

«O coração de Kosmas era ainda uma gruta escura, povoada de visões.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 417

apoquentações

Homem cretense


«Haviam-se sentado num banco. «Como te chamas?», indagou o rapaz. «Noémia». «Fala, Noémia, a vida deve ser-te difícil. Tem confiança em mim, sou cretense.» «Que é isso de cretense?» « Um homem ardente.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 415

«A vida é curta, digamos o que temos a dizer enquanto é tempo.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 414

«-Crêem em Deus? Isso é que me interessa saber.
 -Crêem numa nova divindade, cruel e poderosa, e que pode chegar a ser omnipotente.
-Qual?
-A Ciência, Reverendíssimo Padre.
-Um espírito impiedoso, isto é, o diabo.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 412

sexta-feira, 15 de março de 2013


´´cavando ao sol nos vinhedos''

« -Não deves ter medo - dizia-me. - Só se aprende, fazendo. Basta ter vontade...Se me engano, corrige-me.»


Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 85

«Tinha já aqueles olhos tristes, de gato, e sempre que falava, concluía: «Se me engano, corrige-me.»



Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 84

'' braçado de erva''


«Não sabia que crescer queria dizer partir, envelhecer, ver morrer(...)»



Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 71

quarta-feira, 13 de março de 2013

«Nunca encontrei uma rapariga que soubesse o que é a música...»


Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 19


«Nós não somos do século d'inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d'inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.»



 José de Almada-Negreiros

ancinho



«Cesare Pavese, um homem em busca da Morte.»

Manuel de Seabra no prefácio



Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 10



All is the same.
Time has gone by.
Some day you came,
some day you 'll die.


Some one has died
long time ago.

Consulta o teu coração e decide o que te parecer melhor.

«Lê esta carta e faze o que Deus te inspirar. Não há esperança. Ainda desta vez se luta para nada. Consulta o teu coração e decide o que te parecer melhor.»
   Franziu as sobrancelhas, o lábio superior arregaçou-se-lhe, descobrindo o dente rebelde.
  «Grande desgraça há-de haver se consultar o coração», resmungou. «O mundo explodirá».  



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 376

títere


nome masculino

 1. boneco que se move por meio de cordéis e articulações; marioneta
2. figurado, pejorativo pessoa que se deixa manipular por outrem; bonifrate
3. popular aquele que gosta de provocar o riso; palhaço; bufão
4. popular janota; casquilho

(Do castelhano títere, «idem»)


«-Compreendi que, tendo-se medo de qualquer coisa, seja um leão, ou um homem, ou uma miragem, nos devemos lançar de cabeça, sempre em frente. Logo o medo desaparece. Deixa-nos e vai pegar-se a outro, ao leão, ao homem, ou à miragem. Eis aqui o segredo.»  


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 356

«farrapos de nuvens róseas.»


«(...) a morte parecia tê-la esquecido.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 346

á-bê-cê


«-A velhice nunca vem só, meus filhos - lamentava-se. - Como já não posso lutar com os braços, luto com a cabeça...até que se faça em pó.»  


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 342

«Não tinha desejo nem vagar para conviver com ninguém.» 



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 177


«(...) e como Deus iria ainda sofrer pela mão dos homens.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 165

The Rosebud Garden of Girls (June,1868)




«(...) - Causo-te repugnância, Cate? - disse-lhe baixo, troçando. Sentiu-se apanhada de surpresa e baixou os olhos e a voz. - Porquê? - balbuciou, ela que só truncava as conversas.
  -Éramos novos, - recordei. - As coisas nunca acontecem a tempo.»




Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
p. 154
«-Este governo, - continuava o velho, - não pode durar mais.
 -Mas é por isso que dura. Todos dizemos «Está morto» e ninguém faz nada.
 - Tu que dizes? Que é que se há-de fazer? - perguntou Cate muito séria.
  Calaram-se todos e olharam-me.
  - Matar, - disse. - Tirar-lhes o poder. Continuar a guerra aqui em casa, enquanto aquelas cabeças não mudarem. Só ficarão tranquilos quando sentirem as bombas.»

 
 
 
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 150

«Agradava-me cear, só e esquecido, na casa escurecida, ouvindo a noite, sentindo o tempo passar.»




Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
 p. 121


«É idiota não nos vermos quando temos esse direito (É melhor queimar depois o papel.) Desejava conhecê-lo e ter consigo uma franca conversa. Passe no domingo pela estrada da montanha e sente-se no muro do último atalho. Saudações de solidariedade.»
 
 

Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
 p. 98

«Era doce o barulho da chuva.»

Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 95

indócil

revérbero
nome masculino
1. ato ou efeito de reverberar; reflexo luminoso; resplendor
2. parte do forno que faz refletir o calor
3. lâmina metálica curva, refletora
4. aparelho destinado à iluminação da via pública
(Derivação regressiva de reverberar)


revérbero In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-13].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/rev%C3%A9rbero

Uma rapariga como outra qualquer



«-Tão-pouco julgava, desculpe, que você se entendia com Concia.
   Giannino ficou um pouco taciturno e voltou aos vidros.
  -Uma rapariga como outra qualquer, - disse finalmente. - Mas é muito ignorante. O velho tirou-a do carvoeiro. A velha Spanó
queria apanhá-la em casa.
   - É arrogante?
   -É uma criada.
   -Mas é bem feita, à parte o focinho.
   - Diz bem, - anuiu Giannino pensativo. - Esteve tanto tempo nos estábulos a guardar porcos, que tem um pouco o focinho dos animais.
     Éramos crianças quando andávamos com o velho Spanó pela montanha, e ela levantava a saia para sentar a pele nua sobre a erva, como os cães. Foi a primeira
mulher que toquei. Sobre as nádegas tinha calo e crosta. » 



Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa., p. 67

Elena


«Stefano gostaria que ela viesse de manhã e lhe entrasse na cama como uma mulher e não como um sonho que não pede palavras nem compromissos. As pequenas demoras de Elena, a excitação das suas falas, a sua presença simples, davam-lhe desejos.»



Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 39

sábado, 9 de março de 2013



«Ainda que o seu coração seja de pedra», pensava, «ela sempre se há-de enternecer». 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 162/3

«Sentado na cama, fumava, com o olhar mergulhado na noite através da janela do quarto.»

Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 162

«Deus muitas vezes fala por meio de sonhos.» 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 159

escada carunchosa



«Todos vós, pessoas importantes e ajuizadas,
sujais as calças com medo.» 




Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 156

o olho de vidro


«O capitão Elias era também um sobrevivente da revolução de 1821, espécie de torre fendida e coberta de ervas, empoleirada num monte, sem portas nem janelas, com as seteiras em ruínas. As balas tinham-lhe transformado em crivo o corpo atarracado. Falava com voz selvática, tonitruante. Um simples bom-dia bastava para assustar. Certo paxá arrancara-lhe o olho de vidro, o primeiro que apareceu em Creta. Era com esse olho que ele fitava as pessoas que não lhe agradavam. Mas, nas horas solenes, tirava-o, punha-o num copo de água e apresentava-se unóculo perante Paxá ou o Metropolita, para lhes lembrar (diziam) a revolução de 1821. Zarolho nesse dia, encaminhava-se para casa de Metropolita, entre dois outros notáveis e apoiando-se pesadamente à bengala.»

Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 148/9

tabefe


«Discutia muito mas ninguém o compreendia, e ficava na dúvida se o homem perdera o juízo ou se  falava uma língua estrangeira.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 148
(...)

«A folha de erva salvaga,
o meu fio.»




Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 63

A FIDELIDADE DAS PALAVRAS

A fidelidade das palavras
já não sonho com ela, vão
e vêem, fogem, troçam,
que terias, se não fôssemos nós,
na tua boca branca de calcário, na tua
língua seca, selas zumbem, sibilam,
até eu lhes dizerm a essas traidoras,
sonoras, ciciadas, mudas, que seríeis
vós se eu não insistisse
em seguir-vos o rasto leviano?




Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 58

PRIMEIRO AMOR


Uma boca que me tocava
Que me arrastava para as silvas
Aqui decapitei borboletas e moscas
Enterrei sob a erva daninha três desejos
Frios de gelo só eu os conheço



Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 56

quinta-feira, 7 de março de 2013

DESCOBERTA


Sentir? Nunca senti nada
Manhã nem noite
Alguma vivi
Sangro de uma ferida inventada
Que em mim próprio abri

Nada me vai ferir do que fizerdes
Nem o beijo nem o pontapé
Que podeis dar-me
Se em mil pedaços me despedaçardes
Eu é que não vou dilacerar-me





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 46

NAS MARGENS DO DORDOGNE


Os cães uivam
chamam a noite. Com todo
o desespero dos animais.
O rio arrasta-se até
às estrelas. Nós pomos
as pedras no barco.

Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 43

«O sofrimento mais profundo, o tédio, (...)»

Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 32


(...)

«Esfregamo-nos até doer
nos lençóis salgados.»





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 23

REGRAS DA CASA


Nunca omitir os infortúnios
e contar cada história até
ao fim. Tapar com panos
os espelhos; facas debaixo
da mesa. Consolar a coruja e
trinchar o morcego.
Nunca perder a raiva, aconteça
o que acontecer. Deixar entrar
quem quer que seja.





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 16

terça-feira, 5 de março de 2013

L'Atelier Julian de la rue du Dragon


Epicuro (341-270 a.C)


 "Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso, o que, igualmente, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que Deus não os impede?"

Ésquilo (525-456 a.C.)



O Pai da Tragédia



"O dever do poeta, diz Ésquilo a respeito do mito de Fedra, é ocultar o vício, não propagá-lo e trazê-lo à cena. Com efeito, se para as crianças o educador modelo é o professor, para os jovens o são os poetas. Temos o dever imperioso de dizer somente coisas honestas".

domingo, 17 de fevereiro de 2013


«Como seria bom ter no bosque um pequeno túmulo sossegado. Talvez ouvisse por cima de mim o canto das aves e o sussurro das árvores.»





Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 47

Em cada instante ele morria e, no entanto não conseguia morrer.


«Uma dor infinita tinha expressão no cansaço e lassidão dos seus movimentos. Não estava morto, mas não era vivo, não era velho, mas também não era novo. A mim parecia-me ter centenas de milhares de anos, mas também me parecia que devia estar vivo eternamente, e eternamente morto-vivo. Em cada instante ele morria e, no entanto não conseguia morrer.»


Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 45


«Naquele Inverno tinha havido pouco peixe. A aldeia das dunas tinha ficado despovoada. Os tectos de zinco e palha deixavam entrar a chuva. Um dia, o mar invadiu a taberna. Eu bebia aguardente. Segurei-me a uma mesa de junco, e conheci N. Andava nua nas noites de temporal. Os barcos conheciam-na. O último olhar dos afogados ia para ela.»

 

Nuno Júdice. Poesia Reunida. 1967-2000 Prefácio de Teresa Almeida. Publicações Dom Quixote, Lisboa., p. 65

longas pestanas orvalhadas


«A viúva ergueu os olhos de longas pestanas orvalhadas e fitou-o. Queria interrogá-lo e tinha medo, ouvi-lo e sentia vergonha.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 67

''moo-te de pancada''

enxota-moscas


«(...) Mastrapas libertou o infeliz marido, que ela todas as noites prendia a uma coluna do leito, por era ciumenta e receava (oh, conhecia bem os homens!) que ele se escapulisse à socapa e fosse encontrar-se na cozinha com a gorda Amezina, de úberes de vaca. Amarrava-o à hora de se deitarem e desatava-o quando ele queria ir urinar durante a noite. Mas levava ainda a corda em volta do tornozelo, enquanto a mulher segurava a outra ponta, bem apertada na mão, com medo que o marido se desviasse do bom caminho.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 50

timorato


adjetivo

1. que receia ofender alguém
2. tímido
3. que receia errar ou falhar; cuidadoso; escrupuloso
4. receoso; medroso


(Do latim timorātu-, «idem»)

sinal-da-cruz

«Em que mundo estonteante vivemos, ou vamos viver, se a comunidade, os cidadãos e a opinião pública não só admitem, mas, infelizmente, ainda aplaudem abertamente o que ofende a sensibilidade  requintada, o sentido do gosto, da beleza e da mediania, o que se impõe de forma doentia e, dando-lhe um ar ridiculamente acanalhado como que brada a mais de cem metros em redor, aos quatro ventos: ‘’Eu sou fulano tal. Tenho tanto e tanto dinheiro e posso permitir-me dar nas vistas com grosseria. É claro que, com as minhas exibições de fausto idiota, não passo de um labrego e dum simplório sem sensibilidade; mas ninguém pode proibir-me de ser grosseiro e presunçoso’’. Será que os caracteres dourados, brilhando e refulgindo ao longe de forma ignóbil, mantêm alguma relação aceitável e sinceramente plausível, ou algum laço de parentesco normal – com o pão? De modo nenhum! Mas o que acontece é que a odiosa jactância e a ostentação já começaram um pouco  por toda a parte e, com uma lamentável e terrível inundação, foram sempre acumulando progressos, arrastando consigo a insensatez, a impureza e a tolice, espalhando-as pelos quatros cantos do mundo, até que levaram na maré o meu honrado padeiro, corrompendo-lhe o bom gosto que até então manifestara e minando a sua tradicional modéstia. Não hesitaria em dar muito, em sacrificar mesmo o meu braço ou a minha perna esquerda, se assim pudesse contribuir para recuperar o antigo e bom sentido da probidade, a antiga e boa fragilidade, se pudesse devolver ao país e às pessoas aquela modéstia e honradez que, com pesar de todos os que sinceramente se importam, se perderam consideravelmente. Maldita seja a mórbida fantasia de se querer parecer mais do que se é. »


Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 31/32

frugalidade


nome feminino

1. moderação na alimentação
2. temperança; sobriedade
3. simplicidade de costumes

(Do latim frugalitāte-, «idem») frugalidade

''infantilmente feliz''


La, la, la.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

ÁRIA I



Para onde quer que nos voltemos na tempestade de rosas,
a noite iluminava-se de espinhos, e o trovão
da folhagem, antes tão leve nos arbustos,
segue-nos agora de perto.


Onde quer que se apague o incêndio das rosas,
a chuva inunda-nos o rio. Oh, noite tão distante!
Mas uma folha que nos encontrou é levada pelas ondas
e segue-nos até à foz.





Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 93
XV.

Tem o seu triunfo a morte, o amor é festejado,
e o grande Tempo e o tempo futuro.
A nós nenhum triunfo é dado.


À nossa volta só um afundar de astros. Eco de luz, sem voz.
Mas, sobre o pó, a canção do futuro
soará além de nós.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85-87

secret kiss


VI.



Instruída no amor
por dez mil livros,
ensinada pela transmissão
de gestos pouco mutáveis
e juras tolas –


mas só aqui
iniciada no amor –


quando a lava descia
e o seu bafo nos tocava
no sopé do monte,


quando por fim a cratera exausta
revelou a chave
para estes corpos fechados –


Entrámos em quartos amaldiçoados
e iluminámos o escuro
com as pontas dos dedos.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85-87


‘’Ninguém me ama, nem por mim
acendeu uma candeia.’’




Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85

SOMBRAS ROSAS SOMBRAS



Sob um céu estranho
sombras rosas
sombras
numa terra estranha
entre rosas e sombras
numa água estranha
a minha sombra



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 81
*
Quando alguém parte, tem de deitar
ao mar o chapéu com as conchas
apanhadas ao longo do Verão,
e ir-se com o cabelo ao vento,
tem de lançar ao mar
a mesa que pôs para o seu amor,
tem de deitar ao mar
o resto de vinho que ficou  no copo,
tem de dar o seu pão aos peixes
e misturar no mar uma gota de sangue,
tem de espetar bem a faca nas ondas
e afundar o sapato,
coração, âncora e cruz,
e ir-se com o cabelo ao vento!
Depois, regressará,
Quando?
          Não perguntes.




Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 75

4.

Coloca uma palavra
no vale da minha mudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.


 Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 59

domingo, 10 de fevereiro de 2013


«Os carniceiros sustêm, enluvados,
a respiração dos despidos,
no umbral a lua cai ao chão.»



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 55

«Uma mão cheia de dor perde-se para lá da colina.»

Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 51

«(...)           Nos campos
crescemos ou morremos ao Deus dará,
obedientes à chuva e por fim também à luz.»


Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 43

DESPRENDE-TE, CORAÇÃO

Desprende-te, coração, da árvore do tempo,
soltai-vos, folhas, dos ramos esfriados,
outrora abraçados pelo sol,
soltai-vos como lágrimas de olhos largos de longes.

Esvoaça ainda a madeixa dias inteiros ao vento
na fronte tisnada do deus do campo,
sob a camisa aperta o punho
já a ferida aberta.

Por isso resiste, quando o dorso macio das nuvens
voltar a curvar-se para ti,
não te iludas se o Himeto te encher
de novo os favos.

De pouco vale o lavrador uma erva na seca,
de pouco um verão, face à nossa grande estirpe.

E que testemunha afinal o teu coração?
Entre ontem e amanhã balança,
silencioso e estranho,
e o seu bater
é já a sua queda para fora do tempo.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 25

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

boa-fé

Há muitas viagens onde podemos nascer,
noutras, encostar o rosto numa noite de inverno e morrer.

domingo, 27 de janeiro de 2013

 


«Ela queria deixá-lo, mas sentia compaixão por ele.»

Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 113

«Que mulheres tão infelizes essas, que não têm um marido capaz de se encolerizar!Eu preferia ser enterrado vivo a ter um marido assim!»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 113

meia-luz


«Tem de se ter sido mau, para se sentir vontade de ser bom. E tem de se ter tido uma vida desordenada, para se desejar pôr a sua vida em ordem. Portanto, ser ordenado leva à desordem, ser virtuoso leva ao vício, ser monocórdico leva à eloquência, ser mentiroso leva à sinceridade, os últimos são os primeiros e o mundo e a vida das nossas qualidades têm forma redonda (...)»


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 112
 
«Que homem, que porte, que denodo! Nunca uma palavra a mais, nem gabarolices, nem discussões com inferiores. Até perante a morte fica insubmisso. Feliz de quem possui tal inimigo.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 24

''mãos calosas''

tabaqueira

«Por muito sólido que seja, o corpo do Cretense não pode suportar a sua alma, não pode...Deus fez mal em não nos conceder corpo de aço, a nós Cretenses, para nos ser possível resistir cem, duzentos anos e mais, até à liberdade da nossa ilha.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 9

sábado, 26 de janeiro de 2013

Lolita’s reading Lolita


«Sobrevivi-te o suficiente
e apenas o suficiente
para pensar de longe.»


Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, introdução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 225
«(...)


Não me causa dor
que os amieiros junto à água
tenham novamente o que silvar.

Estou ciente de que
a margem daquele lago
permanece bonita
como se ainda vivesses.»



Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, introdução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 221

Um parecer na questão da pornografia


Não há maior devassidão que o pensamento.
É uma frivolidade que, semelhante à erva daninha
polinizada pelo vento, invade o canteiro das margaridas.

Nada é sagrado para quem pensa.
O chamar atrevido das coisas pelo nome,
as análises dissolutas, as sínteses perniciosas,
a perseguição feroz foliã do facto nu e cru,
o apalpar lascivo de assuntos controversos,
a desova das ideias - disso é que eles gostam.

À luz do dia  ou pela calada da noite,
encontram-se a dois, em triângulos ou círculos.
Não importa a idade ou o sexo do parceiro.
Os olhos brilham, as faces ardem.
O amigo desencaminha o amigo.
Filhas degeneradas corrompem o pai.
O irmão prostitui a irmã mais jovem.

É-lhes mais doce
o fruto proibido da árvore do conhecimento
do que as nádegas cor-de-rosa das revistas ilustradas,
no fundo, ingénua pornografia.
Os livros que os divertem não têm figuras.
A única variedade está em certas frases
com o lápis ou a unha marcadas.



Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, introdução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 199

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pois o meu outrora delicado] corpo, já a velhice
me arrebatou, e brancos] se tornaram os cabelos, negros que eram.
Pesado o meu coração se tornou, não me suportam já as pernas,
em tempos ligeiras na dança, como pequenas corças.
Isso lamento a toda a hora; mas que fazer?
alguém que não envelhece é algo que não pode existir.


Safo

Nós somos como as folhas que cria a florida estação
da Primavera, quando crescem depressa sob os raios do sol.
Como elas nos deleitamos num braço de tempo com as flores
da juventude, sem sabermos o que de mau ou de bom
nos virá dos deuses. Mas as negras Desgraças estão
ao nosso lado: uma delas segura o desfecho da áspera velhice;
a outra, o da morte. O fruto da juventude é tão breve
quanto é o tempo de o sol se espalhar sobre a terra.
Porém quando passa este fim de estação,
melhor do que ficar vivo é morrer logo.


Mimnermo

dois pequenos fragmentos de Arquíloco de Paros


Tal foi o desejo de amor, que me cobriu o coração
e cerrada treva sobre meus olhos derramou,
arrebatando do meu peito as débeis forças.



Miserável, jazo atolado no desejo,
inânime, e penosas dores, por vontade dos deuses,
me percorrem os ossos.

Na literatura grega...



«Na literatura grega, a imagem mais comum é a do homem (identificado com o poeta) que persegue a sua presa por campos verdejantes, desejando tão só a consumação do amor. Ela foge, mas sabem ambos que a própria fuga é um esquema para aumentar o desejo e dar mais prazer ao encontro, que no fim se revelará inevitável.»

“cantigas do rio e dos desejos de amar”



o que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem.

Mimnermo

domingo, 20 de janeiro de 2013

''Passa uma rapariga de fita verde no cabelo''

Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 175

o poder da humilhação

''não há dois beijos parecidos''

Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 111
«O que é pior? A consciência ou a falta dela?
Pois bem, no Paraíso não havia espelhos.»



Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 105
''I don't remember
lighting this cigarette
and I don't remember
if I'm here alone
or waiting for someone."


— Leonard Cohen

sábado, 19 de janeiro de 2013


«Um poeta disse um dia, de uma forma muito bonita, que o coração mais pesado consegue atingir o maior alívio de alma.»


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 94

«Idiota», cochichou ela..

«Idiota», cochichou ela ao salteador num tom sibilante, e quem assim cochichou sofria da doença do orgulho e estava linda de morrer quando disse aquilo.


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 91

O orgulho é muitas vezes o nosso único refúgio, mas não devemos recorrer a ele.

«O orgulho é muitas vezes o nosso único refúgio, mas não devemos recorrer a ele. Devemos libertar-nos do nosso orgulho, porque não passa de uma prisão gradeada, devemos falar com os mais humildes e tornarmo-nos livres. »




Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 91

Ai-ai!

 
«Enquanto iam andando, ela, felizmente - valha-nos isso -, falou de Rilke, mas esse conhecimento que ela tinha de Rilke jamais seria suficiente para fazer dela a noiva ideal. Ai-ai! E, no entanto...!


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 91

'' o simplório de bom coração''

«Às pessoas saudáveis faço o seguinte apelo:  não teimem em ler apenas esses livros saudáveis, travem um conhecimento mais estreito, também, com a literatura dita doentia, que vos transmitirá, decerto, uma cultura edificante. As pessoas saudáveis deveriam sempre expor-se um pouco ao perigo. Senão, com que mil raios, para que serve ser saudável? Simplesmente para, num determinado dia, morrer de boa saúde? Que diabo de destino mais desconsolador...!»




Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 81
«Ele assegurou-nos expressamente que te estava muito grato. Antes de te ter conhecido, nunca sentira necessidade de chorar, mas agora sabia como se sente uma pessoa que chora, a dor da alma parecia-lhe um paraíso. Durante muito tempo não percebemos o que ele queria dizer, mas ele devia saber bem o que nos dizia e a expressão do seu rosto mostrava que o que dizia era uma evidência inequívoca. Foste, afinal, um anjo para ele, conquanto não o tenhas sabido, e foste-o precisamente por essa razão. Um dia, negaste-lhe qualquer coisa, ou seja, recusaste-te ocasionalmente a aceder a um pedido dele, e ele então foi-se embora, mas logo regressou. Isto não deve ter tido uma especial importância. És para ele, pois, o amor para lá de todas as palavras, só que tu própria nunca o percebeste. Para todos nós é sempre incómodo que nos atribuam um alto significado, Preferimos ser amados de uma forma moderada. Gostamos todos mais da comodidade. Ninguém gosta que o outro o considere como que sagrado, porque isso o obriga a ser um modelo.»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 79
«Quem não vive plena e devidamente a sua sexualidade, fica atrofiado espiritualmente.» Sofre assim uma espécie de imbecilização, foi a expressão dele.



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 78

«Já estou enamorado de alguém que não conheço», disse o salteador. «Tens de aprender a conhecê-la», ribombou dentro dele, como um trovão, a alma universal.



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 63/4

On a boat

«(...) adoro-a tanto, que estou a ponto de me despenhar nos abismos horrendos da loucura.»

Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 62
«Todos nos atormentamos uns aos outros, porque todos nós somos, de certo modo, atormentados pela vida. Quando não nos sentimos bem é quando, na verdade, sentimos mais vontade de nos vingar. As pessoas vingam-se mais por causa de se sentirem mal do que por maldade, e é a sina de todos nós não estamos livres do mal.»


Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 60

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

«Uma conduta bonita faz-nos bonitos, e não apenas por dentro, por fora também.»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 44

''mão enluvada''


«E muitos aspectos, os nossos próprios sentimentos são os nosso inimigos, e não aquelas pessoas que competem connosco. Aqueles a quem chamamos adversários são-no, apenas, se temermos o seu merecimento, merecimento que, no entanto, tem também de renovar-se continuamente, tem de sofrer uma contínua evolução, sob pena de enfraquecer e morrer.»




Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 43
«Haveria, porventura, latente na parvinha uma metade masculina, pelo que suportar o marido significava para ela a destruição da sua própria alma?»



Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 40
«Ela calou-se e assumiu um ar tal como o que paira em volta de uma figura de mulher desenhada por
Dürer, um ar esquivo como o de uma ave nocturna sobrevoando os mares por entre a treva, algo como um gemido reprimido no seu íntimo. Ele nunca mais ouviu falar desse casamento. As parvinhas sabem, melhor do que ninguém, mergulhar num silêncio obstinado, são mestras no prazer que sentem em proceder com o maior dos tactos. Comportam-se, perante a obstinação, com o mesmo tacto com que se comportam perante o desprezo, e vão engolindo a sua dor, pedaço a pedaço, ultrapassando as desilusões que lhes são infligidas, sempre com suave elegância.» 
 
 
 
Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 39
«E ela, então, fora casada com um homem como há milhares deles por aí - e, decerto, muitas outras mulheres teriam sido felizes com um homem assim - só que ela não foi feliz, porque era uma parvinha, assim chamada. Lá no fundo, mesmo no fundo, ela tinha orgulho na parvinha que nela habitava. Achava-se superior com esse seu pequeno toque de parvoíce.»
 
 
Robert Walser. O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida. Relógio D' Água, Lisboa, 2003., p. 38

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

«nuvem sonolenta»

«O cinto da castidade com horríveis dentes eriçados.»


Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 79

Deitava-me nu junto ao mar
Nas ilhas desertas.

Arrastava-me para o pélago
A baleia branca do mundo.

E agora não sei
O que foi verdade.



Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 67

A tua voz

Maldiz a morte. É-nos injustamente dada.
Implora aos deuses por uma morte santa.
Quem és tu? Um pouco de ambição, de desejo e de sonhos
que não merece o castigo da agonia prolongada.
Só não sei o que podes fazer sozinho com a morte dos outros:
das crianças envoltas em chamas, das mulheres baleadas,
dos soldados feitos cegos
e que agonizam dias e dias, aqui e agora, ao teu lado.
Sem abrigo é a tua piedade, muda é a tua voz
e temes a sentença porque nada pudeste fazer.



Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, instrodução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 53

"Die Young"


«às vezes, numa raiva de apetite,
lanço os meus fios de caça, e apanho
algum bicho menor, algum mosquito,»




António Franco Alexandre. Aracne. Assírio & Alvim, Lisboa, 2004, p. 13
«E quem me diz que, belo então que fosse,
conservaria ainda o privilégio
de me sentar no teu joelho, e ver
os exactos mistérios do teu sexo?»



António Franco Alexandre. Aracne. Assírio & Alvim, Lisboa, 2004, p. 11

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Relieved. They walked a long way together...


''murmúrios melancólicos''


 
«O que certamente não veríeis eram as lágrimas, que humediam a carta, e outras que desciam as faces, e paravam aos cantos dos lábios, como se aí esperassem que um sorriso de esperança outra vez as embebesse no coração.»



Camilo Castelo Branco. Estrelas Propícias. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 184/5

terça-feira, 1 de janeiro de 2013


trigo vermelho

«Se tu soubesses», disse Deus,
«como pode ser longa a eternidade

(---)



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 84

«Não tenho língua própria:
eu comunico
sem estar certo que me compreendam.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 81
«Pergunto-me quem sou»,
disse Deus, «o espírito, a carne ou o que na carne
se quer espírito;
a noite, o dia ou o que no dia
experimenta pela noite mais ternura.
Talvez que seja eu um compromisso
entre o ser e o não ser,
à custa de mim mesmo:
o vazio e o de mais do vazio,
nada mais que o meu nome,
uma sílaba de sangue
que não se deveria enunciar,
ou um verbo que mata.
Sou a tua vogal, ó música;
ó silêncio, a tua consoante.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 77

Ferenc Berko - Bombay, 1942



Deus disse: «Eu sou teu alimento mais saudável,
o trigo, o vinho e a palurda,
o anho, o mel e a amora selvagem.
Para me comeres, lava as mãos e a alma,
veste as melhores roupas
e toma-me depois entre os teus lábios.
Deverás mastigar-me muito tempo,
pois meus sabores são tantos!
Trarei assim a força aos teus pulmões,
aos teus joelhos,
e aos subúrbios do teu cérebro.
Mal te tenha alimentado o coração,
tornar-me-ei teu sangue.
Eu sou a tua química mais pura.»




Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 75
«Para crer, é preciso sangrar», disse Deus,
«e que a plenitude provoque o conflito,
e que a eternidade seja intragável.
Para aceder a mim, deve a alma arrastar-se,
como um boi, até esse matadouro
que é a esperança.
Para ser-se digno
de um absoluto que jamais conhecerás,
é preciso nascer e morrer,
três vezes por dia, até à volúpia.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 66
«Vai ao deserto», disse Deus,
«e prosterna-te, a fronte sobre a pedra:
três noites depois tornar-te-ás teu duplo.
Vai a um monte,
saúda a neve e as suas lavas,
para mereceres ser monte.
Vai a ti mesmo,
perguntando-te se a tua aorta,
e os teus pulmões, são habitáveis:
tornar-te-ás teu próprio sangue.
Vai além do desconhecido
e dize, lento, a palavra deus:
ou morrerás aí,
ou serei eu a cair morto.»
 
 
 
 
Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 61

«Reconhecer-me-ás: sou simples e vulgar.»

Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 57

O homem queixa-se:
«Tu deste-me um corpo
mais pequeno que o corpo da montanha.
Deste-me um cérebro
com que não posso compreender-me.
Deste-me um coração
que não serve para me aceitar.
Deste-me palavras
que são um luxo na minha desordem.
deste-me um deus
o qual não sei quem é, se eu, se tu.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 56

«tu incomodas-me.»


«Deus decidiu que o homem, tendo razão,
deveria morrer.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 52
Deus disse:
«A minha angústia é profunda:
criei este universo, e não sei porquê.
O sol canta, cercado pelas poldras.
O sol saúda-me
com suas ilhas ténues,
e o poeta escreve uma ode
para me explicar quem devo ser.
A minha angústia é profunda e as estrelas
estão longe de mais para consolar-me.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 37

«Se eu envelheci», disse Deus, «substituam-me:
não se deve guardar um soberano
que se afunda em incerteza.
Apresentar-vos-ei a deuses competentes,
com três, quatro lições dadas por mim
de tacto e divindade.
Irei só para o hospício,
levando algumas almas,
algumas músicas.
Não me lamentem:
tomei, junto de vós, gosto por ser.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 36

Inferno

 
« - O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, que e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 166

«,(...) sorriem, um com o outro com a boca suja de amoras.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 148
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