sábado, 22 de fevereiro de 2014

Thank You Were Wrong


If I tell you
What you want
Then you'll be
Over me
If I tell you
What you want
Then you'll be
Over me

Used to tell you
What you want
Made you be
Over me
If I let you
See me cry
Lose much lust
Yes, lust each time

If you care
For someone else
I'll be left here with myself
When you save
Every breath
Brings me closer to my death

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

«As paixões são contagiosas, e quando Dostoievsky se refere à peste emocional está a divulgar um segredo da natureza humana que o homem quer bem guardado: o segredo da sua dependência da irracionalidade.»


Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 143

« - O dom com que se nasce, que pode deitar tudo a perder. Maria Adelaide nasceu com a virtude, o que na mulher é uma desgraça que nunca vem só. Havemos de conversar sobre isto.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 146

« - Essa mulher precisava mais de Prozac do que dum amante (...)»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 145

«O que faz de si meu amigo verdadeiro é que inventa todas as maneiras de me contradizer. Obriga-me a pensar e dar luta.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 143

melancolia maníaca

clorofórmio



«''Por ser esta a minha espontânea e consciente vontade, quero que fielmente se cumpra.'' Morria, pois, com uma palavra de guerra nos lábios.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 140

esposa era «delicada compositora»

« - E a Maria Adelaide quem era? A Mata-Hari que o repórter X levou ao cinema?
   - Era uma tola que sonhava com toleimas.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 137

''Memórias dolorosas''


''dulcíssimo dialogar de beijos''

mulher sentenciosa

''comeal de virgens cansadas de fabricar mel para os anjos.''


   «As árvores estão nuas e tristes, o rio vai torvo, as árvores não cantam quando o ceú está em luto. Aquilo é inspirativo de fastio e amargura; mas o seu delírio deleitou-lhe magicamente o que dias antes lhe parecia estância de degredo. Não há senão dois criadores: Deus e o amor.»



Camilo Castelo Branco. O Retrato de ricardina. Livros do bolso europa américa, Lisboa, 1971., p. 61/2

domingo, 16 de fevereiro de 2014


''Curvas da Raiva''


«Sentou-se na borda da cama, em silêncio, com aquela indiferença polida dos jovens que não sabem amar generosamente ninguém.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 121

invulnerável

«(...) guardavam um ódio no peito como se fosse uma jóia de estimação.»


«E acabava sempre com aquele soluço na garganta, um desejo de amor que a fazia pálida e distraída e cansada.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 112/3


«Para que alguma coisa ou alguém exerça uma impressão profunda numa mulher é preciso que a economia da dor em que ela aceitou a sua vida sofra uma transformação. A educação duma mulher faz-se no sentido de a tornar pusilânime. Enquanto pusilânime é obediente, sensível e sobretudo lenta na execução de um plano. Um homem aprende que a rapidez da acção abrevia o sofrimento. A mulher, e Maria Adelaide é disso um exemplo, economiza a dor como se ela fosse um património. Leva muito tempo a tomar uma decisão e, quando a toma, é com a ideia de poder voltar atrás. Maria Adelaide quando foi para Santa Comba não pensava pedir o divórcio. Foi preciso que uma dor se mudasse em irritação para proceder assim. As mulheres sofredoras estavam em vias de se tornarem mulheres irritáveis.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 109

«Eu insurgia-me, porque uma mulher não suporta muito bem ser posta de parte quando se trata de ideais.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 108

XXI





  «A dor não se destina apenas a um sintoma, mas também a estimular as energias vitais do paciente, que é o ser humano em geral. No caso de Maria Adelaide podemos observar as suas queixas desde muito nova e que serviam aos médicos para fazerem um diagnóstico. Desde 1889 que Maria Adelaide sofre de uma depressão profunda motivada provavelmente pela morte do pai, que sucede a 14 de Maio do mesmo ano. Em Setembro ela escreve: ''Chego a parecer doida''. Tem falhas de memória que a surpreendem, fica sem saber como se escrevem palavras que não oferecem qualquer dificuldade. Não consegue fixar a atenção num livro ou num trabalho qualquer. Sai de casa e logo deseja regressar. Colhe flores no jardim e deita-as fora. À mesa, mantém-se calada e desinteressada da conversa das pessoas presentes. Tudo isso no tempo de luto que foi interrompido pelo casamento com o doutor Cunha, casamento prematuro, dado o seu estado depressivo. Nunca chega a remeter-se dessa desordem nervosa e a imagem de Eduardo Coelho afirma-se cada vez mais na sua mente. Em 1903 piora muito. Tem trinta e dois anos e a sua instabilidade faz com que lhe seja atribuída uma neurastenia. ''A neurastenia entra no quadro das enfermidades mentais!'' - dizem os doutores mais eminentes do país. Comprometem-se a declará-la doida e entram sem hesitação na estranha perversidade de a encerrar no manicómio com o fim de ser instruído o processo de interdição.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 101

Nest (1979)


urticação


nome feminino

1. acto ou efeito de urticar
2. flagelação da pele para a excitar
3. sensação de ardência, parecida com a que é causada pelas urtigas sobre a pele

Acha que ela sofria?


« - Claro que tinha talento. Só não sabia o que fazer com ele. É a sina das mulheres. Sofrem com isso e usam de todos os meios para se livrarem dessa dor. Usam a fricção, a flagelação, a urticação, e nós somos os parceiros escolhidos. Maria Adelaide usou o cautério para despertar a sensibilidade que tinha perdido. É o método dos remédios dolorosos contra a dor.

    -Acha que ela sofria?
   -Acho que sim. Era uma mulher extraordinária. A dor decompõe-se a favor da arte numa infinidade de intermediários até ao sentimento mais perto do prazer. Estou a citar.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 99

água-benta


«''Um príncipe de ilustração! Infelizmente os príncipes verdadeiros não são assim.'' Ela reconhecia que as mulheres o perdia e que ele ia ter uma carreira fulgurante e breve, porque as mulheres amam os que vão morrer.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 87


« - Seu marido tratava-a mal?
   - Não me batia, mas fazia-me desconsiderações testemunhadas por todos. Chegou a passar três meses sem ir a casa, a não ser para mudar de roupa.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 85

XVII



«Há dois meses que Maria Adelaide estava presa no manicómio por ordem do seu marido. Em princípio ela talvez quisesse agredi-lo, sem um plano formado de levar muito longe aquela desavença conjugal que lhe servia de exército, não sem um toque de sadismo.»



Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 84
«O senhor Júlio Dantas, que escrevia como um Óscar Wilde falava à mesa, teve a ocasião de assistir a certos sintomas inquietantes em relação a Maria Adelaide. Ela tinha, como a condessa de Ficalho, um vestido de linho branco com botões de coral. Um dia arrancou-lhe os botões, servindo-se de uma faca de sobremesa, e pôs-se a jogar com eles como se fossem berlindes.»



Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 77

XV



«Alguém para quem vive uma rotina equivale a uma manipulação do espaço em que vive, o espaço do casamento, só muito tarde se apercebe das transformações de carácter que foram explicadas como alienação mental.

   O carácter de uma pessoa não é imutável. Ele sofre alterações nas diversas idades da vida; às vezes certos períodos bastam para fixar um comportamento oposto ao que até ali era tido por normal.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 76

«(...) e agora como gosto eu de reflectir, para libertar o meu sonho desta roupagem.»

Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 55

''estrela acetinada''

''fio aracnídeo''

«além do bater de asas absurdas de um qualquer habitante assustado da noite, ferido pela claridade no seu sono pesado e prolongado a sua indefinida sombra.»


Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 52

roda-pé filosófico


«(...) Igitur quer provar aos antepassados que o seu empreendimento é uma loucura perante a vida, quer dizer, o acaso.»

Prisioneiro do efémero: «Sempre vivi de alma fixa no relógio.»

«Nevrose, tédio, (ou Absoluto!)»




«IGITUR. Igitur, ou a Loucura de Elbehnon: título estranho de uma obra estranha. Ensina-nos Rolland de Renéville que em hebreu El behnon significa «o filho dos Elohim», quer dizer «anjos», quer dizer «astros», e o advérbio-substantivo Igitur teria sido tirado do primeiro versículo do segundo capítulo do Génesis: Igitur perfecti sunt coeli et terra et omnis ornatus eorum. Igitur seria, pois, o filho de uma raça de anjos, o último rebento, a última consequência («igitur») de uma raça de puros espíritos cujo destino, a «loucura» se quisermos, é ele manter-se no plano do espírito puro, no plano das essências eternas e imutáveis libertando-se do presente, do acaso, da individualidade. Atrás do rosto desta personagem, Mallarmé pinta-se a ele próprio, o último descendente dos altos poetas e herdeiro espiritual dos grandes filósofos, no qual deve resumir-se.»



Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 30

sábado, 15 de fevereiro de 2014

«A destruição foi a minha Beatriz.» (Corr., 246)


«Queixa-se do peito, de um sistema nervoso «feito num oito», e descobre-se incapaz de pronunciar a mais simples frase. Durante esses invernos terríveis vive sempre numa espécie de beatitude de sonâmbulo, uma vez que os seus excessos de reflexão sobre si o ajudaram a reduzir-se ao estado de verdadeira sombra, e procura-se, inquieto, no reflexo dos espelhos para não se reconhecer. Bem sabe, porém, que esta dura ascese é necessária para dar oportunidade às «belas coisas» com que sonha obstinadamente e que devem desabrochar «na Vida - ou na Morte» (Corr., 226)




Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 22/23

Goat Head


despersonalização

«Para Hegel, o pensamento do pensamento é a reflexão que representa, na dialéctica da Enciclopédia, a passagem necessária do pensamento em si ao pensamento para si. E esta reflexão, ao atingir o nível do Absoluto, faz-se a própria reflexão do ser no pensamento, ao mesmo tempo que o pensamento se faz o pensamento do ser.»
«De resto confesso, mas só a ti, que os insultos do meu triunfo foram de tal forma grandes, ao ponto de ainda sentir necessidade de me olhar nesse espelho para pensar, e até voltaria a ser o Nada se acaso ele não estivesse à frente da mesa onde te escrevo esta carta. É isto dizer-te que agora sou impessoal, e não mais o Stéphane que conheceste - mas uma aptidão que o Universo espiritual tem para se ver e desenvolver através daquilo que eu fui. (Corr., 240-242)




Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 20

«O meu pensamento pensou-se...estou perfeitamente morto...»


''esta verdade que ardia agora nele como um incêndio''

A sua verdadeira tragédia

«A sua verdadeira tragédia (começava a entender) residia na incapacidade de comunicar aos outros o conhecimento que tinha da existência de um outro mundo, um mundo para além da ignorância e da fragilidade, para além do riso e das lágrimas.»


Henry MillerO Sorriso aos Pés da Escada. Tradução de Célia Henriques e Vítor Silva Tavares. Literatura ASA, 1ª edição: Maio de 1992, p. 49
«Agora sei quem sou, o que sou, e o que devo fazer. É isto a realidade. O que vocês chama realidade não passa de serradura; esboroa-se, escapa-se entre os dedos.»


Henry MillerO Sorriso aos Pés da Escada. Tradução de Célia Henriques e Vítor Silva Tavares. Literatura ASA, 1ª edição: Maio de 1992, p. 46/7

Antichrist

“(…) Sobretudo no amor se deve ter cuidado; gostar dos outros e lhes querer bem tem sido o motivo de muita opressão e de muita morte dos espíritos. (…) Não tens, essencialmente, de amar nos outros senão a liberdade, a deles e a tua; têm, pelo amor, de deixar de ser escravos, como temos nós, pelo amor, de deixar de ser donos do escravo. (…)”

Agostinho da Silva

«No seu coração não havia ressentimento, apenas uma tristeza profunda. Era uma luta permanente para conseguir suster as lágrimas.»


Henry Miller. O Sorriso aos Pés da Escada. Tradução de Célia Henriques e Vítor Silva Tavares. Literatura ASA, 1ª edição: Maio de 1992, p. 18

''uivo protestatório''

literato

«uma luta que dura a vida inteira para nos acharmos a nós próprios.»

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


«Não sei o que me diz o coração...»


Camilo Castelo Branco. O Retrato de ricardina. Livros do bolso europa américa, Lisboa, 1971., p.44

domingo, 9 de fevereiro de 2014

«O que eu preciso não é salvar-me das dores que me esperam: é morrer; se Deus me levar primeiro do que a ti, chamarei a tua alma. Se fores adiante, não hás-de esperar-me muito tempo»


Camilo Castelo Branco. O Retrato de ricardina. Livros do bolso europa américa, Lisboa, 1971

«A mulher do Loas não saíra da lareira. A sombra refugiara-a numa zona de neutralidade, onde havia muito se habituara a esconder-se dos outros e de si própria.»



Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 37


«O vadio era um homem de fáceis emoções. Soluçando, com uma confusa mistura de raiva, ternura e solenidade, prometeu, enfim, associar-se aos sonhos do lavrador.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 36


«Penso no problema e com o cérebro já exausto, Barbaças adormeceu de novo. De boca aberta, um joelho flectido, as mãos tranquilamente apoiadas no peito, deixou que corressem sobre ele a tarde, o crepúsculo, o anoitecer.»



Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 34

Woody Allen with Mia Farrow, whom he never married, but with whom he shares two children, Satchel (L) and Dylan


  «A tontinha da Alice estava ansiosa e fascinada.  E, na verdade, seria engraçado domesticar um rato; mas que anos de paciência uma tarefas dessas exigia!»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 33
«Rubro de humilhação, adiando uma resposta que tardava, por fim lançara um repto cuja ousadia, se fosse bem sucedida, poderia ter feito dele a personagem  mais falado da vila...»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 32

«(....), vasculhando na memória, enrugava a testa até ao martírio.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 32

''Os desejos dos mortos são sagrados.''

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 28
« - Tu a modos que andas triste... - insinuava o Loas, com uma voz lastimosa, mudando de estratégia, enquanto os olhos claros se lhe humedeciam de uma ternura azulada.
   -É feitio.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 27

«Sempre que abria um rego na terra e o ensopava com água do poço, não podia deixar de mirar, com ressentimento e ternura, o inútil engenho que a ferrugem ia corroendo.»


Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 21

domingo, 2 de fevereiro de 2014


«É a corrente oculta que as paixões
do fogo e da cinza levam
para os clandestinos infernos das lágrimas.»


Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 76

''Águas nocturnas do delírio''

The Mirror


''De que amor destruído me agarro desamparado?''

NOITE PERENE

De repente abri os meus olhos na escuridão
-lua negra, ardósia imensa, precipício -
e nada pude ver. Senti que a minha memória
tinha-me igualmente abandonado.

A cidade absorvia o seu esgotado deserto,
como se a impassível escuridão
desde sempre ocupasse a sua amorfa existência.

A realidade vazava os meus sentidos
para quedas de água e desaguamentos,
precipitando-se num marasmo tenebroso
de invisíveis objectos repudiados.

Procurei a minha própria sombra e aquele nome,
mas encontrei o torpe esquecimento da linguagem.
A voz fez-se bruma, tácita transparência.

Tudo ficou em suspenso e continuei pela noite
da alma como um navio sem timoneiro e sem luz,
perdido entre as águas fantasmagóricas.




Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 72

''boca ensimesmada''

''Hierática no teu abismo''


''O AMOR ESCOLHE O SEU CAMINHO''

LIMOS DO DESPREZO


Se pudesse olhar-me na sede dos teus olhos
em nenhum território perderia os meus vestígios.
Os segredos mais ácidos secariam
as suas ocultas raízes destruidoras,
as sílabas clementes do perdão
voltariam a ouvir-me comovidas
sob as grandes asas de uma luz aprazível.
Mas a cabeça assegura o seu erro no delírio.
Sente elevar-se a sombra que o desprezo derrama,
onde só ressurge a impiedade
de uma tribo de espectros dilacerantes.
Ainda continuo contigo, meu desolado corpo,
incapaz de morrer, vislumbrando os dois
terríveis abandonos: a morte sem repouso
e a vida que morre sem viver nem se extinguir.


Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 60

''a herança do Inverno''

TANTA ORFANDADE


No seu tremor medroso desenvolve-se
a sombria linhagem do desamparado.
Tanta orfandade abrupta sob os dias do silêncio,
tanta velha injustiça persistente
sem querer ter piedade do destino do homem.
Se pudesse cumprir o desejo supremo,
seria a impiedade que livremente se rebelasse
contra a servidão dos humilhados.
Se das minhas sementes podres pudesse crescer o meu valor
até fazer parar o sangue assassinado
e, ainda, pudesse recuperar a necessária força
para enfrentar a legião de sombras,
então apagaria os poços de dor,
rasgaria o sossego da sua aguarela aracnídea
cegando a altivez do perene culpado,
para que prisioneiro desapareça
no seu mortal e ubíquo labirinto.





Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 56

(Nostalghia)


ESSA IDADE


Cheguei a essa idade em que os dias
são o pulsar cansado que antecede a morte,
e a vida espreita por detrás de um vidro embaciado
como se não soubesse já o caminho,
nem forças tivesse para continuar às escuras
dissimulando perante a dor que a ameaça.

A paisagem está tão quieta, as árvores não agitam
memórias, tudo pesa no fastio
da alma, que tão lentamente se consome.
Fatigado, sem ímpeto nem voz,
o vento de Outono agita-se no horizonte.
Uma agitação longínua aproxima-se
com a sua tromba de sombra e infortúnio.
Nas pupilas arde um súbito soluçar,
e a melancolia, ainda que vencida, pugna
por surgir novamente com a sede do que é vivo.



Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 55

INDÍCIOS DE CRUELDADE


Somente que na crueldade a morte sorri-nos
com a sua primeira rosa queimada entre os dedos.


Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 54

O CEGO

«(...)

Aqui, ouvindo as paredes da minha sepultura,
falo continuamente com os meus mortos.
Sinto na escuridão o soar dos seus passos,
os meus vacilantes passos, no negro deserto.»


Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 53

JAULAS

noite simplifica a derrota.
Calada sensação de hirta medula
no hostil fastio do relento.
Os instantes são jaulas fechadas
que escondem as memórias guardadas.
Não compreende a enorme deterioração
que foi transformando a sua existência.
Lenta maturação até à morte.
Recebida esta velhice fustigadora.
Lição constantemente exercitada
da lucidez da consciência.
A quem há-de servir esta renúncia,
esta ânsia que labora e que resiste
à miséria das suas reencarnações?




Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 52



falam sempre mais feroz
os que mudam de sentidos
ganham olhos quando sós
metamorfose

e já são bestas pelo medo
buscam nomes escondidos
estão escondidos desde cedo
assassinos

ficou
deitado pelo chão
o corpo do último deus
e se o tocar
mil vozes falará
e se o tocar
mil rostos mudará
e se o tocar
morrerá
por fim

quatro patas a correr
quantas caçam o inimigo
e mais patas a nascer
resistindo

tantas feridas aqui florindo
quais jardins à flor da pele
como hienas já sorrindo
infinitas

ficou
deitado pelo chão
o corpo do último deus
e se o tocar
mil vozes falará
e se o tocar
mil rostos mudará
e se o tocar
morrerá
por fim

metamorfose
metamorfose
metamorfose

AUSCHWITZ

Lá em baixo, em Auschwitz, longe do Vístola,
amor, ao longo da planície nórdica,
num campo de morte: fria, fúnebre,
a chuva na ferrugem dos postes
e os enredos de ferro dos recintos:
e não há árvore ou pássaros no ar cinzento
ou acima do nosso pensamento, mas inércia
e dor que a memória deixa
ao seu silêncio sem ironia ou ira.

Tu não queres elegias, idílios: só
razões da nossa sorte, aqui,
tu, branda aos contrastes da mente,
incerta a uma presença
clara da vida. E a vida está aqui,
em cada não que parece uma certeza:
aqui escutaremos chorar o anjo o monstro
as nossas horas futuras
badalar o além, que é aqui, em eterno
e em movimento, não numa imagem
de sonhos, de possível piedade.
E aqui as metamorfoses, aqui os mitos.
Sem nome de símbolos ou de um deus,
são crónica, lugares da terra,
são Auschwitz, amor. Como de súbito
se esfumou em sombra
o querido corpo de Alfeu e de Aretusa!

Daquele inferno aberto por uma inscrição
branca: «O trabalho vos libertará»
saiu o fumo contínuo
de centos de mulheres empurradas fora
dos canis ao amanhecer contra o muro
do tiro ao alvo ou sufocadas gritando
misericórdia à água com a boca
de esqueleto sob os chuveiros a gás.
Encontrá-las-ás tu, soldado, na tua
história em formas de rios, de animais,
ou és também tu cinzas de Auschwitz,
medalha de silêncio?
Ficam longas tranças fechadas em urnas
de vidro ainda cerradas por amuletos
e infinitas sombras de pequenos sapatos
e de xales de hebreus: são relíquias
de um tempo de sageza, de sapiência
do homem que se faz medida de pelas armas,
são os mitos, as nossas metamorfoses.

Nas planícies onde amor e pranto
apodreceram e piedade, debaixo da chuva,
lá em baixo, pulsava um não dentro de nós,
um não à morte, morta em Auschwitz,
para não repetir, daquela cova
de cinzas, a morte.

AUSCHWITZ
Laggiù, ad Auschwitz, lontano dalla Vistola,
amore, lungo la pianura nordica,
in un campo di morte: fredda, funebre,
la pioggia sulla ruggine dei pali
e i grovigli di ferro dei recinti:
e non albero o uccelli nell’aria grigia
o su dal nostro pensiero, ma inerzia
e dolore che la memoria lascia
al suo silenzio senza ironia o ira.

Tu non vuoi elegie, idilli: solo
ragioni della nostra sorte, qui,
tu, tenera ai contrasti della mente,
incerta a una presenza
chiara della vita. E la vita è qui,
in ogni no che pare una certezza:
qui udremo piangere l'angelo il mostro
le nostre ore future
battere l'al di là, che è qui, in eterno
e in movimento, non in un'immagine
di sogni, di possibile pietà.
E qui le metamorfosi, qui i miti.
Senza nome di simboli o d'un dio,
sono cronaca, luoghi della terra,
sono Auschwitz, amore. Come subito
si mutò in fumo d'ombra
il caro corpo d'Alfeo e d'Aretusa!

Da quell’inferno aperto da una scritta
bianca: " Il lavoro vi renderà liberi "
uscì continuo il fumo
di migliaia di donne spinte fuori
all’alba dai canili contro il muro
del tiro a segno o soffocate urlando
misericordia all’acqua con la bocca
di scheletro sotto le doccie a gas.
Le troverai tu, soldato, nella tua
storia in forme di fiumi, d’animali,
o sei tu pure cenere d’Auschwitz,
medaglia di silenzio?
Restano lunghe trecce chiuse in urne
di vetro ancora strette da amuleti
e ombre infinite di piccole scarpe
e di sciarpe d’ebrei: sono reliquie
d’un tempo di saggezza, di sapienza
dell’uomo che si fa misura d’armi,
sono i miti, le nostre metamorfosi.

Sulle distese dove amore e pianto
marcirono e pietà, sotto la pioggia,
laggiù, batteva un no dentro di noi,
un no alla morte, morta ad Auschwitz,
per non ripetere, da quella buca
di cenere, la morte.

Salvatore Quasimodo
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