segunda-feira, 3 de abril de 2017

''as flores querendo romper do chão''


Abel Neves. Eis o Amor   a Fome e a Morte. Edições Cotovia, Lisboa, 1998, p. 21

''os dedos apontando o rio''


Abel Neves. Eis o Amor   a Fome e a Morte. Edições Cotovia, Lisboa, 1998, p. 15
estou sozinho     estou triste etc


Abel Neves. Eis o Amor   a Fome e a Morte. Edições Cotovia, Lisboa, 1998, p. 14

EIS O AMOR A FOME E A MORTE

Abel Neves

domingo, 2 de abril de 2017

quarta-feira, 29 de março de 2017

''We are not SO pretentious''

''É preciso cuidado com o orgulho. Às vezes, pode cegar. Não é um bom conselheiro.''

Eunice Munoz

"Sou uma mulher igual a milhões. Tive a sorte de Deus me vocacionar"

Eunice Muñoz
"escreve-se ao contrário dos dias
contra o friso comovedor das gerações
ignorado das cabriolas doutrinais
não se escreve e há também nisso
um aluimento qualquer
corpo afim precipitado para o penhasco
sombrio do mesmo esquecer"

-"Persianas"
- Miguel-Manso
"Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes"

 Isaac Newton

Na sensação de estar polindo as minhas unhas
sei que morrerei no dia do aniversário da minha morte
ainda há coisas certas na vida
o dia do aniversário da minha morte apresenta tamanha discrição
que nem dou por ele
portanto não mudarei de roupa
talvez passe o dia deitada
no displicente descanso
de não atender telefones
nem me levantarei para ir ver o correio
e se alguém se lembrar de me acender
as inconsequentes velinhas
deixarei que derretam e estraguem o bolo
no dia do aniversário da minha morte
nem me penteio

Rosalina Marshall
(...)
«ninguém sabe
a que me sabe
a minha boca»
Rosalina Marshall


''A realidade está para cada um de nós como o sabor a que sabe a cada um de nós a sua própria boca está para os outros.''
Adília Lopes

 (“sinto um desconforto qualquer/ por usar soutien/ mas se não usasse/ era muito ordinária/ e os homens não gostariam de mim/ por ser demasiado fácil verem-me as mamas”) 
Wittgenstein, no início do seu Tractatus Lógico-Philosophicus: “O mundo é tudo o que acontece.” 

''A realidade é uma máquina de criar decepções. ''

estás-me a falhar como as notas de mil

expressão antiga, de quando ainda a moeda era o escudo e não o euro, que dizia: estás-me a falhar como as notas de mil, querendo com isso dizer que alguém nos decepcionava.

“a hermenêutica fechou a porta” (p. 18)

Rosalina Marshall

Manucure

Primeiro livro de Rosalina Marshall – Manucure, Companhia das Ilhas, 2013 
"Acendo a luz. A luz vive de um
disfarce de uma antiguidade
atómica.
E cada brilho tem um vento atento
o sopro um vento especial a morte:
desmancha-se a luz toda
(o feto dela) de um só corte."

-"Poesia"
- Luíza Neto Jorge

“Na sensação de estar polindo as minhas unhas”

Sá-Carneiro
"Ninguém se conhece, na medida em que cada um é apenas ele próprio e não é também, ao mesmo tempo, um outro.
As pessoas relativamente às pessoas são sempre só cómicas; o trágico origina-se quando o destino do indivíduo, do solitário, se intromete e esconde por detrás dos antagonistas."

Hugo Von Hofmannsthal. "Livro dos Amigos"

''sou pelas metáforas porque olhar a luz directamente pode cegar.''

Pedro Jordão

domingo, 26 de março de 2017

barbela

«Contigo uma pessoa nunca sabe...Estás sempre calado...Quem sabe no que pensas...»


Václav  Havel. Audiência, Vernissage, e Petição. Relógio D'Água, Lisboa,

Self Portrait of Gisele Freund in a mirror Paris, 1935


O ÓDIO COMO ARGUMENTO E CRÍTICA LITERÁRIA
Andam por aí uns gazeteiros irrequietos aspirantes a intelectuais libertários que,
 mandatários das suas dores primárias e sentimentos gerais— no desenfreamento agudo de caça ao prémio do maior cretino—, prosseguem incansáveis a sua missão de patrulha e delação dos gangs literários  da época. Estes queixinhas de risco calculado, respirando todos para dentro do mesmo saco,  julgando que no arranco de mais um arroto são os verdadeiros agitadores de consciências não fazem mais que, por correlação objectiva, exaltar e representar a homogenia epocal  que criticam refastelados nas suas dietas do ódio. (Agora até memes sancionados pelo risinho e o comentariado boçal se põem a fazer)
Mas! Há esperança:

VOCÊ ESTÁ PASSANDO POR UM NOVO TRÂNSITO ASTROLÓGICO
Substituam a agenda dos esplendores e misérias por um programa ideológico e estético, façam crítica formativa, enunciem e denunciem com a intenção política de um ideário,  ajam dentro dos actos, sonhem para fora, sejam estrategas, homens de ciência,  concretizem-se, realizem-se, comprometam-se com declarações de princípios e famílias de ideias, entreguem-se ao assunto com a finalidade de isolar,  determinar e apresentar o problema que vos arrelia, a doença geracional.  Escrevam folhetins críticos, publiquem suplementos, sejam lucidamente românticos no ódio.

OU SEJA
Não sejam propaganda de ares-condicionados, façam estremecer os ciprestes com ventos de saúde.

ENTRETANTO
E desafiando a ordem dos génios livres e solitários constituam-se como autores para se autorizarem a 
intervir com a faculdade da emoção e a inteligência do método para que o papel social da crítica não perca a sua função e eficácia. Dêem-se ao escândalo a que têm direito mas com a disposição e qualidade superiores de reformadores da arte. Sejam a princesa e a boca do cavaleiro.

Raquel Nobre Guerra, 2017

sexo débil

lúmen

Incrustações fecais

sábado, 25 de março de 2017


«O tempo da brincadeira passara. Começava o das coisas rudes.»

Václav Havel

Pastiche

obra literária ou artística em que se imita abertamente o estilo de outros escritores, pintores, músicos, etc.

''Pseudo-renovações''

Václav Havel

Esquizofrenia existencial.

Václav Havel

''Tempo de desmoronamento das ilusões e das tentativas de reconstrução...''

Václav Havel

Campo de Pubis


“ Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante”

 Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 21 de março de 2017

carcinomas

''tacteios e desencorajamentos''

Václav Havel
«Não faço parte dessa feliz espécie de autores, de pena fecunda, rápida, fácil  e feliz, de imaginação nunca cansada, isentos de dúvidas e de escrúpulos, naturalmente abertos ao mundo e que em todos os assuntos vão direitos ao fim. Aflijo-me e algumas vezes irrito-me. Ambicioso, impaciento-me ao ver que me custa escrever por falta de ideias, de confiança em mim, vítima de uma ruminação que, por vezes, me paralisa.»


Václav Havel


Believer
Imagine Dragons



First things first
I'ma say all the words inside my head
I'm fired up and tired of the way that things have been
The way that things have been, oh-ooh
Second thing second
Don't you tell me what you think that I can be
I'm the one at the sail, I'm the master of my sea, oh-ooh
The master of my sea, oh-ooh

I was broken from a young age
Taking my soul into the masses
Write down my poems for the few
That looked at me took to me, shook to me, feeling me
Singing from heart ache from the pain
Take up my message from the veins
Speaking my lesson from the brain
Seeing the beauty through the

Pain!
You made me a, you made me a believer, believer
Pain!
You break me down, you build me up, believer, believer
Pain!
I let the bullets fly, oh let them rain
My luck, my love, my God, they came from
Pain!
You made me a, you made me a believer, believer

Third things third
Send a prayer to the ones up above
All the hate that you've heard
Has turned your spirit to a dove, oh-ooh
Your spirit up above, oh-ooh

I was choking in the crowd
Living my brain up in the cloud
Falling like ashes to the ground
Hoping my feelings, they would drown
But they never did, ever lived, ebbing and flowing
Inhibited, limited
Till it broke up and it rained down
It rained down, like

Pain!
You made me a, you made me a believer, believer
Pain!
You break me down, you built me up, believer, believer
Pain!
I let the bullets fly, oh let them rain
My luck, my love, my God, they came from
Pain!
You made me a, you made me a believer, believer

Last things last
By the grace of the fire and the flames
You're the face of the future, the blood in my veins, oh-ooh
The blood in my veins, oh-ooh
But they never did, ever lived, ebbing and flowing
Inhibited, limited
Till it broke up and it rained down
It rained down, like

Pain!
You made me a, you made me a believer, believer
Pain!
You break me down, you built me up, believer, believer
Pain!
I let the bullets fly, oh let them rain
My luck, my love, my God, they came from
Pain!
You made me a, you made me a believer, believer
“Life is like a piano. What you get out of it depends on how you play it.”

Tom Lehrer 

Pólenes

quarta-feira, 15 de março de 2017

|| confissões de uma máscara ||

"Respirar
o menos possível
nestas cidades
de uma tristeza
sem idade
abrindo o espaço
com os gestos lentos de um náufrago
a caminho
do fundo
A noite sobe-me
na voz
como um lugar
capaz de imaginar
sozinho
o seu cenário
onde o azul
dorme
numa cave
com os cães"

Ernesto Sampaio. "Feriados Nacionais" 

domingo, 12 de março de 2017


Não fazes favor nenhum em gostar de alguém
Nem eu, nem eu, nem eu
Quem inventou o amor não fui eu
Não fui eu, não fui eu, não fui eu... nem ninguém
O amor acontece na vida
Estavas desprevenida e, por acaso eu também
E como o acaso é importante, querida
De nossas vidas a vida fez um acaso também
Não fazes favor nenhum em gostar de alguém
Nem eu, nem eu, nem eu
Quem inventou o amor não fui eu, não fui eu
Não fui eu, não fui eu... nem ninguém
"Acender suavemente
para fora do corpo.
Só vem com uma instrução,
a alma,
e cumpre-a em cada passo.
deixando a cal para as palavras.
A inocência e a alegria são nomes
de ruas percorríveis, casas telhadas,
searas altas escondendo pássaros
e vento, estilhaços de voz.
Às vezes passa por ela
a luva perdida de um poema;
ou um nome sem âncora
atravessa-a, ainda morno,
obriga-a a embarcar
de um calafrio ao outro.
Mas aqui as almas regressam sempre.
Chamam-se Lázaro, têm margens
de açafrão, mel e mosto, trazem a beleza asfixiada,
inofensiva: prata sobre o convès,
flores dentro de saco plástico.
Antes de continuar a sonhar,
a alma esvazia os bolsos
da respiração sustida entre ondas,
dos silêncios guardados entre frases.
Deixa no cinzeiro
os restos das ideias consumidas,
um espinho mais teimoso.
Certifica-se, por último, da névoa
firme à sua volta,
de modo a não chocar com o mundo."

-"Esta Casa"
- Emanuel Jorge Botelho/ Inês Dias/ Manuel de Freitas/ Renata Correia Botelho

segunda-feira, 6 de março de 2017

«                                     TÓ MARIA

(Idem.) Tal o testo, tal a panela...»


Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 133

MIGUEL

(Alheado, seguindo, sempre a sua voz interior.)
Eu sonho sempre com ...Ela.

ALBINO

(Espreguiçando-se.) Com ela?!...

MIGUEL

(Gelado.) Com a Morte, ti' Albino.






Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 127

«Sonhos são mentiras, »

Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 125

«Queria chorar e só podia rir-me!...»

Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 125

sábado, 4 de março de 2017

“OVO/POVO”

 António Aragão na XIV Bienal de São Paulo, onde representou Portugal com a exposição de poesia espacial “OVO/POVO” (1977).
“poesia-contra, poesia-recusa-que-acusa, poesia contra o instituído, o legal, o ordenado e convencional.”


 (Aragão, 1981b [1965]: 39)

(des)gostos mais ou menos audíveis

“repúdio do lirismo e duma semântica convencionada à escala dos pessoais (des)gostos mais ou menos audíveis” (Aragão, 1981b [1965]: 39
«O artsta, poderoso iconoclasta destrói as formas defnitvas, e destrói devido ao esgotamento das forças misteriosas que as animavam e constrói, com outra morfologia, o mistério. E só ele se apercebe desse esgotamento e da necessidade de destruição – destruição sem sentenças ou elaborados racionalismos, sem prévios padrões polítcos, sociais, económicos ou religiosos; destruição assistemátca, inviolável, fnalizada em si própria, egocêntrica e espontânea.»


 (Aragão, 1956: 24)
“Sabe melhor apedrejar rindo
 do que mendigar choramingando
o direito que nos cabe”

 António Aragão em “Movimento e intervenção” (1965)

Um buraco na boca

Felicidade erótica

Anaïs Nin

"Me niego a vivir en un mundo ordinario como una mujer ordinaria.
A establecer relaciones ordinarias. Necesito el éxtasis.
Soy una neurótica, en el sentido de que vivo mi mundo.
No me adaptaré al mundo, me adapto a mí misma.”

Sonny Boy Williamson e uma ode à gaita


sexta-feira, 3 de março de 2017

“Começa por fazer o que é necessário, depois o que é possível, e de repente estarás a
fazer o impossível.”

S. Francisco de Assis

quinta-feira, 2 de março de 2017

''I restore myself when I’m alone.''
 Marilyn Monroe

quarta-feira, 1 de março de 2017

o Mata-Sete


O regresso do "velho senhor" (notícia TSF)

O vulcão Etna acordou.

fotograma de Deux fois, de Jackie Raynal


«Pela minha dor entendo que imensos outros sofrem,»

Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 77

«Mas fundamente preso fica o desalento,
Como hóspede sombrio dos meus sonhos.
Poderei esperar? Tudo foi dado ao homem
Como distracção efémera da existência;
A nada pode unir esta sua ânsia que reclama
Uma pausa de amor entre a fuga das coisas.
Seria vão lamentar o trabalho, a casa, os amigos perdidos
Nesse grande negócio demoníaco da guerra.»


Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 75

«Metade da minha vida está hoje passada,»



Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 73

''ócio solitário''


«Pálido rosto de paixão e tédio.»


Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 69
«Ainda se queixa vagamente sua alma,
O escuro vazio da sua vida.»


Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 67

'' Ligeiras paixonetas''


«Não sou como os mais: sou fraco. (A bater com as mãos no peito:) Fraco por dentro, mais fraco que a vidraça!...) »

Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 117/8

O « Marreco»

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017


Não sou eu que vivo, mas a flor
que dando-se às eternidades pretéritas
respira no que desconhece
a beleza inaugural do dia.
Já não sou eu que vivo
mas o tempo estranhado pelo sem-tempo
em madrugadas tão plenas que tecem caminhos.
Um dia, quando voltar da morte e me detiver em frente à janela
que me puxa par adentro do segredo e do mistério
ter-te-ei despido.
Já não sou eu que vivo
e se gritar afogo-me no meu próprio eco
neste campo de escombros
átomos explodindo nas carnes das casas.
Já não sou eu que vivo
mas o grito
o milagre nos corredores da noite
nas mãos dadas a ninguém.
Entranhas de Deus espalhadas sobre a tua ausência.
Joana Emídio Marques. Ritornelos, Abysmo, 2014
“ – Eu Sou, / gritei depois de morta.” (p. 107)


Joana Emídio Marques. Ritornelos, Abysmo, 2014
“Acordando infinitamente / para o que há-de vir / as horas caminham no sentido contrario ao dos pássaros”


Joana Emídio Marques. Ritornelos, Abysmo, 2014
“Aqui / na casa das cadeiras vazias / (…)”


Joana Emídio Marques. Ritornelos, Abysmo, 2014

Marilyn Monroe and JFK


O que se torna tempo
não poderás somá-lo
é abissal e infinito
esperar que nasça o princípio
no interior do que só vês de fora.
Não, não podes somá-lo
entre os dedos idênticos
nem à verdade nem à carne,
o que se torna tempo
é este exacto instante
que se cumpriu
se perdeu.
Joana Emídio Marques. Ritornelos, Abysmo, 2014
"As pessoas que lidam com a morte (...) vêem tudo pelo lado positivo, pelo prazer de não estar mortos"

Eduardo Pinto da Costa

Ritornelos

''Ritornelos é um termo musical (dois pontos seguido de uma barra vertical), que indica a repetição de uma parte da partitura, isto é, a repetição da sua execução musical.''

Ritornelos, Abysmo, 2014, (Livro de Joana Emídio Marques)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

encanto do fogo


"A admiração representa o maior elogio daquele que admira.
Admirar é dar-se.
Admirar é pôr-se fora de si inteiro. É jogar a vida pela vida,
A admiração é a grande lealdade de cada um pelo seu Elemento inicial e é ela o único poder que faz com que o Elemento inicial de cada um não seja afinal o seu cárcere."

Manuel de Lima. "Um Homem de Barbas e Outros Contos"

domingo, 26 de fevereiro de 2017



«As raparigas estão aqui...Só se vêem as faces. Expressões líquidas, inacabadas...As pernas nuas, enfiadas em sapatos grossos, sempre em movimento...Trabalham muito, têm problemas particulares, estados de espírito...Mas, enquanto elas falam, enquanto as escutamos, nada nos pode impedir de pensar, ao olhar para elas, em como será fazer amor com elas, amor físico...»



Raphaële BilletdouxEntre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 125

«Nunca tento explicar as lágrimas.»


Raphaële BilletdouxEntre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 113
Mas todo o semeador
 Semeia contra o presente.
Semeia como vidente
A seara do futuro,
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.

Miguel Torga

sábado, 25 de fevereiro de 2017


«Aquela antiga ferida.»


Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 43

«Nem sequer esperar esse pássaro com braços de mulher,
Com voz de homem deliciosamente escurecida,
Porque um pássaro, embora enamorado,
Não merece aguardar, como qualquer monarca
Aguarda que as torres madurem até frutos já podres.»


Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 15

«Sabendo nada mais que viver é estar a sós com a morte.»


Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p.15

«De carne até morrer como um homem morre.»


Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p. 13

«Os beijos livremente caem de seus lábios»

Luis Cernuda. Antologia Poética. Edição bilingue. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Edições Cotovia, Lisboa, 1990., p.

''homem de convívio raro e difícil''

sobre o poeta Luis Cernuda

''por malquerer''


Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 64

Chico Peixinho


Personagem da peça de Teatro O Lugre

Autor: Bernardo Santareno

funeral marítimo


«Tens os olhos do morto dentro dos teus ...(Com o indicador toca, um após outro, os olhos de Albino.)

Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 56/7

Mentideiro

nome masculino

1. lugar donde habitualmente se propagam boatos e mentiras
2. conjunto de pessoas que falam da vida alheia; soalheiro

''Ah, filho dum cão!...»


Bernardo SantarenoO Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 44
«Bando de tubarões...corja de assassinos!...»


Bernardo Santareno. O Lugre. Edições Ática. Lisboa., p. 43


« As miúdas, muitas vezes, morrem, depois.
-Quem é que morre?
-As miúdas que fazem cinema...»



Raphaële BilletdouxEntre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 75

«- Estás apaixonada, neste momento?
- Não, não, tenho muito cuidado.
-Não, falo-te de amor.
-Eu sei, entendi, mas estou curada.
-Estiveste muito apaixonada?
-Se estive!...
-Alguém te fez sofrer?
- Sim. Mas já passou.
-Durou muito tempo?
-Se durou!...
-Mas era alguém decente?
-Pode-se lá saber...»

Raphaële BilletdouxEntre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 75

« - Estás a chorar?
- A vida paaaaassa...!!!
-Não, idiota, não passa.»


Raphaële BilletdouxEntre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 70/1

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

''suicídio literário''

''domesticidade e outras coisas cansativas''

« A humidade é o sangue.»

Vicente Aleixandre

« - Pensavas que era eu que fazia o trabalho todo, não? Tu só trouxeste o teu cu e o teu sofrimento, hem? E eu que me desenrascasse!
-...
-Eu sei, eu sei, tens um cu enorme e o teu sofrimento não é menor.
-...
- Ah, se bastasse sofrer!
Ela desata a chorar. O lenço recolhe as suas lágrimas.
-Água! Isso é água! Não vale nada! Não me dizes nada com isso.»


Raphaële BilletdouxEntre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 34

Self- portrait of Gisele Freund with Horst Shade in double exposure, Paris, 1929



«Julgas que basta amuar para se parecer que se tem personalidade?»



Raphaële BilletdouxEntre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 34
« - Se eu te disser que és bonita, acreditas?
Ela sopra.
-Sim ou não?
-Estou-me nas tintas...
-Como te chamas?
-Edith.
- Que sapatos são esses?
-Dão-me segurança. Estou no meu direito, não?
-Eu é que faço as perguntas. Nunca és simpática com ninguém?
-Nunca confunde as pessoas com animais?»


Raphaële Billetdoux. Entre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 33

«lábios pálidos desenhados a lápis»

« - Gostas de ti?
-Interesso-me por mim.
- O que é, para ti, a galanteria?
-É farinha.
-Não compreendo.
- O que é que o lobo punha para esconder pêlos? Era farinha, não?»




Raphaële Billetdoux
. Entre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 17

«Como um canteiro de ervas fustigado pelo vento, o rosto voltava-se de novo.»

Raphaële Billetdoux. Entre e feche a porta. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Cotovia, 1992., p. 12
Há as coisas que conhecemos e as coisas que não
conhecemos; entre umas e outras estão as portas.

WILLIAM BLAKE

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017


gól.go.ta

«Quem amou voltará a amar?»


António Osório. Por Eduardo Lourenço. Colecção Poetas. Editorial Presença., p. 260

«   (...)                 a melancolia
de morrer (...)»



António Osório. Por Eduardo Lourenço. Colecção Poetas. Editorial Presença., p. 258

AUGÚRIO


Não antecipes a tristeza
de morrer: não queiras muito 
as lágrimas: consola-te
bebendo-as. E sê grato ao dia
em que, vivo, as tragaste.


António Osório. Por Eduardo Lourenço. Colecção Poetas. Editorial Presença., p. 216/17
 fêmeas de mosca-da-fruta

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

António Gedeão, o poeta que veio do fundo dos tempos morreu há 20 anos

Chamava-se Rómulo como o mítico fundador de Roma, foi um homem do Renascimento mas viveu no século XX. Cientista, professor, poeta, homem livre nas margens da ditadura e da revolução morreu há 20 anos

Dizia que tinha vindo de uma terra assombrada, que não acreditava na bondade humana, nem no mistério da poesia, escrevia sempre de pé, bebia as manhãs a café com leite sempre na mesma caneca, percorreu anos e anos as mesmas ruas, meteu a chave na fechadura de casa à hora em que o esperavam, não usava gravata, não se sentava à mesa do poder nem do povo, não pertenceu à ditadura nem à revolução, não foi em grupos, não teve amigos, não meteu cunhas, não foi boémio, alcoólico, fanfarrão. Falava mais com os olhos que com as palavras, tinha muitos admiradores, não tinha intimidades. Respirava melhor o amplexo do mundo fechado num laboratório do que na orla do grande mar.
Sabia muito bem que só sendo ferozmente banal poderia ser radicalmente livre. Por isso, a pior coisa que podem fazer a Rómulo de Carvalho/António Gedeão é continuarem a aprisioná-lo num “sonho comanda a vida”. Porque tudo o que ele foi desmente essa leitura superficial do poema: a pedra filosofal de Gedeão não é o sonho. É sim o trabalho, a dúvida, a reflexão, o pensamento que engendra nas mãos a escultura, a máscara, a catedral, a máquina. O único ouro possível de obter pelo alquimista é a sabedoria (como a poesia e a Liberdade) só se alcança pela dúvida, pela experiência, pela humildade de se saber nada perante a infinitude de um universo em perpétuo movimento.
“Devia pedir desculpa por ter escrito esse poema [Pedra Filosofal]”, confessou um dia à filha Cristina Carvalho. Porque afinal fora um poema “escrito a assobiar para o lado” e que “agora serve para tudo desde anúncios de prostitutas a publicidade a colchões”. O poema, musicado por Manuel Freire, tornou-se uma balada pueril para saudosistas da revolução porque se for lido com atenção, afirma a filha do poeta em entrevista ao Observador, “vemos que ele fala daquilo que o homem construiu quando, saindo das imobilidade onírica, deitou mãos ao trabalho e fez acontecer. A Pedra Filosofal não é um poema sobre estarmos deitados a sonhar. É antes sobre a urgência do fazer pois, é pelo fazer que se tece a grande epopeia humana de que fala o poema, desde a pedra em sobressalto até ao foguetão. É mais uma história de construtores do que de alquimistas”.
Com o passar dos anos Rómulo de Carvalho ostentava um rosto antigo como o mundo. Aqui a ler o seu poema para Galileu, já com quase 90 anos.
Foto: Cortesia de Cristina Carvalho
Agora, quando passam 20 anos sobre a morte de uma das mais marcantes figuras que atravessaram a cultura do século XX português, vale a pena lembrar que Rómulo de Carvalho, mais do que um homem de palavra foi um homem de trabalho: das ciências exatas às ciências sociais, do desenho, à poesia e à fotografia, da construção de objetos de madeira, à feitura de livros manufaturados, de professor de adolescentes a pedagogo, de ensaísta a divulgador de ciência e escritor de manuais escolares.
Porém, e tendo em conta, a sua mística mãe Rosa de Oliveira, Rómulo/António foi também um enfeitiçador de almas, um guardião dos mistérios, como um verdadeiro homem do Renascimento, como Camões, como Montaigne, como Da Vinci, ele sabia que cada explicação não abre caminho para uma verdade, um determinismo mas é tão só a primeira porta para uma nova estrada de dúvidas, interrogações, experimentações, pois tudo está precariamente equilibrado sobre a tectónica do caos. E Deus? Deus ele nunca soube se existia ou não. Era agnóstico e poupava-se a grandes conversas sobre o assunto.
Aliás Rómulo também não gostava muito de conversas, como ele próprio afirmava “precisava de muito tempo para estar consigo próprio, para os seus pensamentos”. A solidão, esse mal que parece atingir fatalmente tantos homens e mulheres, e são bom pasto para tanta poesia e tanta literatura do século XXI, não eram problema para o poeta que, como o estóico Séneca, sabia que “só quem vive bem consigo mesmo vive bem com os outros”.

“Abaixo os mistérios da poesia”

Era uma vez um menino
que não era nada feio
O que tinha de extraordinário
era um feitiço no meio”
(Rómulo de Carvalho, com 5/6 anos)
Aprendeu a escrever precocemente, numa casa onde viviam duas irmãs mais velhas, uma mãe leitora compulsiva e um pai cantor coral (além de funcionário dos Telégrafos e Correios de Portugal). Na Graça, num terceiro andar com vista para o Tejo, escreveu os primeiros versos por volta dos 5/6 anos. Ainda se chamava apenas Rómulo Vasco da Gama Carvalho, mas já usava palavras complexas e, sem saber, elaborava metáforas dividindo o mundo entre o sagrado e o profano, entre o visível mundo da carne e o invisível mundo dos feitiços.
Aos 10 anos, já tinha completado a escola primária, atreveu-se a continuar os Lusíadas. Leu a épica obra e se Camões parou no reinado de D. Sebastião ele havia de prosseguir até ao reinado de D. Manuel I. O que veio a ser o “XI Canto dos Lusíadas” foi publicado no Diário de Lisboa, com direito a fotografia do poeta vestido de marujo mais para gáudio da família que do próprio, que só haveria de voltar a publicar poemas seus quarenta anos mais tarde.
Rómulo de Carvalho, com 10 anos, quando escreve e publica o XI Canto de Os Lusíadas no Diário da República. Foto cortesia de Cristina Carvalho
Nasceu em 1906 no estertor da monarquia, foi criança durante a 1ª República, fez-se adulto durante a ascenção do salazarismo. Tinha 68 anos no 25 de Abril de 1974. Recusou cargos na Universidade, no Ministério da Educação, na reitoria dos liceus. Desprezava que a ditadura usasse o poder obscurantista para dominar os outros e desprezava que as democracias usassem a ilusão da liberdade para dominar os outros. Sim, sim, é este o homem, o poeta que escreveu a Pedra Filosofal e que neste documentário de Diana Andringa, de 1996, um ano antes da sua morte, declara: “Não acredito nos seres humanos, não acredito na capacidade de os homens fazerem qualquer coisa socialmente boa, a não ser se isso beneficiar os seus interesses pessoais”.
“Era uma pessoa totalmente desencantada”, lembra a filha, também escritora, Cristina Carvalho. “Porém, não era amargurado. A sua descrença notava-se apenas na ironia subjacente a quase tudo o que dizia. Nunca o ouvi dar uma gargalhada. Apenas sorria e o seu sorriso era sempre pontuado por uma mais clara ou mais disfarçada ironia”.
Essa ironia, que a crítica literária e ensaísta Maria Lúcia Lepecky há-de afirmar ser “em exemplo da sua superior inteligência e uma das características da sua poesia” parece ser hoje em dia cada vez menos legível e a sua poesia arrumada no dossier dos anos do PREC. Talvez porque a sua ironia trabalhada na fímbria de linguagem complexa, multireferencial, erudita, onde a ciência se funde com a filosofia e com o quotidiano dos homens, seja hoje difícil de entender, tal como as formas tradicionais e antigas que escolheu (a rima, a redondilha, o vilancete) façam confusão aos ouvidos desabituados das coisas longínquas.
E no entanto, se houve poeta a cultivar o registo coloquial, antes dele estar na moda como hoje está, foi António Gedeão. Se houve poeta que trouxe o quotidiano dos homens comuns, dos deserdados para dentro da poesia foi Gedeão. Basta ler-se os célebres Calçada de Carriche ou Lágrima de Preta (no tempo em que os poetas podiam dizer preta sem serem chamados de racistas). Como bastaria ler com alguma atenção Poema a Galileu, para ver o que é a capacidade de usar a palavra não apenas na sua simplória função designativa, mas para fazer uma duríssima crítica à ditadura ao mesmo tempo que celebra a Ciência, o livre pensamento, explica a teoria de Galileu e entabula com ele um dialogo que é, também, um dialogo consigo mesmo enquanto cientista e enquanto poeta:
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angustias, a todos os contratempos,
enquanto eles, no alto inacessível das suas alturas,
foram caindo
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
ininterruptamente
na razão direta dos quadrados dos tempos”
Como lembra Cristina Carvalho, “António Gedeão é hoje considerado um poeta menor pela nossa intelligentsia. Isto foi-me dito assim tal e qual por uma poeta que recebeu o prémio António Gedeão. E eu pergunto: menor porquê? menor para quem?”.
Contrariando os desígnios da infância, Rómulo de Carvalho não seguiu um curso de literatura. Formou-se em Ciências Fisico-Quimicas. Tornou-se professor de liceu. E o nosso espanto plutocrático não pára de crescer. Mas apenas isso? Um professor de liceu? “Ele queria era que o deixassem em paz”, diz Cristina Carvalho. Quando era professor no Liceu Camões foi pressionado pelo reitor a inflacionar a nota de um aluno para que este entrasse na Universidade. Pediu a transferência para outra escola. Depois do 25 de Abril, quando um aluno que tomava conta da porta do Liceu Pedro Nunes lhe bateu com uma vara de madeira no braço e declarou à boa maneira ditatorial do novo regime “este pode entrar”, Rómulo de Carvalho meteu os papéis para a reforma.
Pelo meio tinha construido quase sozinho o laboratório experimental daquela escola que tantos cientistas formou. Tinha escrito dezenas de livros de divulgação cientifica destinados mesmo a ensinar ciência num pais quase analfabeto. Elaborou currículos e manuais escolares, ensinou professores. Entre os seus alunos diletos estavam Mariano Gago, António Mega-Ferreira, Marcelo Rebelo de Sousa, Nuno Crato. É Mariano Gago que, em 1996, vai instituir o 24 de Novembro, dia em que nasceu Rómulo de Carvalho, como Dia Nacional da Cultura Científica. Ele que nunca recebeu prémios, nem foi um poeta do establishment tem, desde 2012, um prémio de poesia com o seu nome, instituído pela Federação Nacional de Professores (FENPROF) e a SECRE-Corretores de Seguros. Até agora foram distinguidos com o galardão Ana Luísa Amaral e Nuno Júdice.
Escrevia sempre de pé num armário feito por medida e rodeado de pequenos objetos cheios de significados íntimos. Foto cedida por Cristina Carvalho
Tal como o cientista Rómulo, também o poeta António falava mais para o futuro do que para o seu tempo, que falava mais aos vindouros do que aos seus coetâneos e sobretudo rejeitava a postura do poeta separado assepticamente do mundo de que fala. Por isso ele dignificou como poucos o homem comum. Não lhe glorificou as misérias mas restituiu-lhe o lugar nos mistérios filogenéticos. Neste insondável universo, sem salvação e sem Deus somos todos igualmente irrelevantes. E, como muito bem lembra Urbano Tavares Rodrigues, quem escutar bem a poesia de Gedeão encontra nela ecos desse outro genial inadaptado que foi Raul Brandão.
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser
verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA

Rómulo de Carvalho e a máquina do mundo

Filho de uma mãe que aos domingos lia nas cartas destinos gloriosos ou funestos, que durante a vida a adulta não saiu de casa mais do que umas poucas dezenas de vezes, Rómulo, foi também ele tocado pelos mistérios que a ciência não explica e pelas regiões de sombra que só as palavras superficiais e sentimentais parecem resolver. “Era aristocraticamente distante, a sua autoridade vinha do seu exemplo, da sua auto-exigência. Era delicado mas poderosamente frontal. Detestava e desconfiava seriamente dos sentimentalismos”, recorda a filha do poeta.
Talvez por uma auto-exigência, mas também por timidez ou insegurança, só vai atrever-se a publicar a sua poesia perto dos 50 anos, depois de muito rasgar. No livro de memórias Rómulo de Carvalho/António Gedeão, o Príncipe Perfeito (ed. Estampa), Cristina Carvalho conta que ele nunca deixou de escrever poesia, mas que rasgava tudo não temendo “deitar a perder todo aquele sofrimento (…) Rasgava todos os poemas que tinha e os que ia escrevendo, protegia-se de toda a dor e de todos os entendimentos.”
Obra Completa de António Gedeão, Relógio D’ Água,
35.33 euros
A utilização de um pseudónimo simples sobre o seu nome cheio de ressonâncias arquétipicas (Rómulo foi um dos fundadores míticos de Roma, juntamente com o irmão gémeo Remo, ambos filhos da loba), foi ainda uma forma de se proteger dessa sua persona mais frágil, mais exposta. No entanto o nome simples, com um certo gosto neorrealista, não foi nunca sinónimo de um poeta simples. Nunca se enquadrou em qualquer grupo ou movimento literário, embora a sua lírica fosse claramente de pendor órphico e modernista. Foi elogiado por Gaspar Simões, prefaciado por Jorge de Sena, com quem de resto mantém uma correspondência ao longo de muitos anos.
Talvez porque o que eu escrevia fosse a expressão do meu sofrimento pessoal, um sofrimento sem literatura…” (Rómulo de Carvalho, “Memórias”)
Como Camões, lido aos 10 anos, Rómulo cria uma poesia profética, onde a ciência é mostrada como conquista e como desastre, certamente como desconhecido a avançar dentro de outro desconhecido a Vida. O mundo é uma máquina nas mãos de um hesitante experimentador, que avança e recua, que cria e destrói. Perante essa máquina nunca o olhar do poeta deixa de ser desalentado, descrente. Cada vez mais crítico e combativo à medida que se sucedem os livros: Movimento Perpétuo (1956), Teatro Do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Linhas de Força (1967), ao qual volta a seguir-se um hiato de 16 anos até aparecerem os dois volumes com os irónicos títulos de Poemas Póstumos e Novos Poemas Póstumos. Rómulo de Carvalho matou António Gedeão, não obstante a fama que este conquistara, em especial depois de ter sido musicado e cantado por Manuel Freire, Adriano Correia de Oliveira, José Nisa ou Carlos do Carmo.
As “Memórias” de Rómulo de Carvalho, publicadas pela Fundação Gulbenkian, são um testemunho que atravessa todo o século XX português
Como ele próprio há-de declarar, com o seu habitual desassombro, no documentário de Diana Andringa, “não tinha mais nada a dizer como poeta”. E se é verdade que a sua poesia pôde, através dos cantautores, chegar a um público mais vasto que a elite que habitualmente lê poesia, “o que muito lhe agradou”, também é verdade que Gedeão acabou por ficar acantonado no tempo da revolução “o que tem prejudicado a sua leitura e descoberta pelas novas gerações”, admite Cristina Carvalho.
O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê- lo, erguê -lo e defrontá- lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo
(Máquina do Mundo, António Gedeão)
O “intervalo”, o “entre”, lugar arrepiante onde não há tempo, nem espaço, onde nenhuma geometria é possível logo só nos resta cair, cair infinitamente. E o poeta-cientista olhou esse intervalo, curioso e aterrado porque ele sabia o poder da interrogação. “Era no caos de todas as ordens que ele se encontrava e explicava, explicava e transmitia o que conseguia aperceber-se, desde a aleatoriedade e formação das nuvens aos desorganizado voo das moscas”, escreve Cristina Carvalho.
Por isso a sua vida foi um demanda, uma viagem em busca dos mistérios onde um claro desejo futurante se cruza com a memória, a rememoração, o gosto pelo antigo, pelo arquivo. Cantou a luz mas vivia consciente da omnipresente escuridão. Por isso escreveu ensaios absolutamente inovadores na área da História, entre eles o já clássico História do Ensino em Portugal desde a Fundação da Nacionalidade até ao fim do Regime Salazar-Caetano. Escreveu dezenas de livros de divulgação cientifica, artigos científicos sobre física, química, educação, filosofia, astronomia. Estudou homens vanguardistas como Pascal, Descartes, Einstein, Dürer. E em 1995, com perto de 90 anos, surge com um volume insólito O texto Poético como Documento Social. Entre, muitas, muitas outras coisas que podem ser estudadas no seu espólio depositado na Biblioteca Nacional.
A escritora Natália Nunes foi um amor tardio de Rómulo de Carvalho. Ela tinha 22 anos ele quase 40. Foto: Cortesia de Cristina Carvalho
Enquanto foi cientista, escritor, poeta, professor Rómulo de Carvalho também teve dois casamentos, dois filhos (Frederico Carvalho, físico-nuclear, e Cristina Carvalho, escritora), cosia os seus próprios botões, criou sozinho uma filha bebé quando a mulher, a escritora Natália Nunes, passou mais de um ano em Paris a estudar, ia religiosamente ao cinema todos os sábados à noite.
Aos 25 anos foi dado como inapto para o serviço militar por ter, nas palavras do médico, “um coração de velho”. Talvez este médico tenha percebido que o coração de Rómulo vinha de longe, “do fundo do tempo”, assombrado. A verdade é que só aos 90 anos o coração lhe falharia em consequência de uma isquémia cardíaca. Morreu uma semana depois de ser operado. Era o dia 19 de fevereiro de 1996.
Numa qualquer manhã, um qualquer ser,
vindo de qualquer pai,
acorda e vai.
Vai.
Como se cumprisse um dever.
Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos;
nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar.
E em seu impessoal desejo latejam todos os restos
de quantos desejos ficaram antes por desejar.
Abre os olhos e vai.
Vai descobrir as velas dos moinhos
e as rodas que os eixos movem,
o tear que tece o linho,
a espuma roxa dos vinhos,
incêndio na face jovem.
Cego, vê, de olhos abertos.
Sozinho, a multidão vai com ele.
Bagas de instintos despertos
ressuma-lhe à flor da pele.
Vai, belo monstro.
Arranca
as florestas com os teus dentes.
Imprime na areia branca
teus voluntariosos pés incandescentes.
Vai
Segue o teu meridiano, esse,
o que divide ao meio teus hemisférios cerebrais;
o plano de barro que nunca endurece,
onde a memória da espécie
grava os sonos imortais.
Vai
Lábios húmidos do amor da manhã,
polpas de cereja.
Desdobra-te e beija
em ti mesmo a carne sã.
Vai
À tua cega passagem
a convulsão da folhagem
diz aos ecos
“tem que ser”.
O mar que rola e se agita,
toda a música infinita,
tudo grita
“tem que ser”.
Cerra os dentes, alma aflita.
Tudo grita
“Tem que ser .”
(“Estrela da Manhã”, António Gedeão)

Joana Emídio Marques ver aqui 
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